ITCMD na nova regulamentação tributária: onerosidade nos negócios rurais

Por Luis Claudio Yukio, Gabriela Fernandes e Maria Eduarda Tebet, advogados tributaristas do escritório Toledo Marchetti

 

No setor agropecuário, a sucessão familiar é fundamental para garantir a continuidade e o desenvolvimento dos negócios. Entretanto, com a atual discussão sobre a reforma tributária, em tramitação no Congresso Nacional, ela pode se tornar significativamente mais onerosa e até inviável, caso seja aprovada.

No final do mês de agosto, foi aprovada na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar nº 108/2024, que deveria regulamentar parte da reforma tributária (juntamente com a PLP 68/2024). Esse projeto de lei, originalmente, deveria tratar das questões referentes ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) de competência dos Estados e Municípios, especialmente a criação do Comitê Gestor.

Contudo, os deputados federais decidiram incluir no mesmo texto relevantes alterações que vêm passando desapercebidas na cobrança de outros tributos, em especial, ao Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Bens ou Direitos (ITCMD), que irá afetar toda a população, principalmente, o setor do agronegócio.

No Brasil não é novidade uma lei que deveria tratar de um assunto específico (IBS), trazer em seu corpo outras determinações para aproveitar o esforço político especialmente no caso da reforma tributária. Ocorre que a reforma trata de tributos incidentes sobre o consumo, então caberia indagar o motivo de tratar de questões de ITCMD e ITBI tributos que incidem sobre a propriedade?

O motivo aqui foi bem claro, pois se não ocorrer o aumento de tributos em favor dos Estados e Municípios dificilmente o PLP 108/24 seria aprovado pela Câmara dos Deputados da maneira que ocorreu. Destaque-se que as medidas referentes ao ITCMD e ITBI já poderiam ser executadas no ano de 2025 (se aprovada esse ano) ao contrário da reforma tributária e do IBS que somente seriam plenos no ano de 2032.

Atualmente não existe uma legislação complementar federal que disciplina o tributo de competência estadual nas doações e heranças (diferente do ICMS e ISSQN), assim, cada Estado determina como implantar o ITCMD dentro de suas fronteiras.

A PLP 108/24, se aprovada pelo Senado, traria os conceitos e regras gerais que todos os Estados deverão seguir no que tange ao ITCMD. Com efeito, dentre os pontos que podem alterar ou mesmo inviabilizar a organização do agronegócio no Brasil pode-se destacar dois pontos que acabam se correlacionando: a distribuição de lucros e o valor do imóvel rural no inventário e na doação.

O projeto de legislação inova ao trazer a previsão de que os lucros não podem ser mais distribuídos de maneira desproporcional no caso de partes relacionadas, ou seja, as empresas familiares não poderiam mais se organizar dessa forma (distribuição sem materialidade), se isso ocorrer, os lucros serão considerados como doação e, sujeitos ao ITCMD.

No mesmo sentido, outra questão preocupante é a previsão expressa de que todos os bens devem ser valorados a valor de mercado para fins de incidência do ITCMD. Grande parte dos Estados utilizam a mesma base de cálculo do Imposto sobre Propriedade Territorial Rural para fins de cobrança do ITCMD, mas com a aprovação do PLP, a base de cálculo passará a ser “o valor de mercado do bem ou do direito transmitido”.

Note-se que apesar de a Legislação permitir que o Estado adote alguns critérios para chegar a base de cálculo, não permite que esta não seja o valor de mercado do bem ou imóvel (em verdade a PLP estabelece critérios para chegar ao valor de mercado). Essa mudança é especialmente prejudicial para as propriedades rurais no Brasil, cuja valorização ao longo dos anos resulta em um valor de mercado muito superior ao valor histórico sem esse aumento ser considerado um aumento financeiro efetivo.

É fato que o agronegócio brasileiro, seja ele grande, médio ou pequeno, é predominantemente familiar. Então fica evidente que essas mudanças podem gerar uma situação preocupante, especialmente para os pequenos produtores.

Em um cenário hipotético, pode-se chegar ao ponto que os herdeiros recebam as propriedades, mas sem recursos para pagamento do ITCMD, estes serão forçados a vender, integralmente ou parcialmente, suas propriedades ou descontinuar suas atividades devido ao alto custo do imposto. A transmissão de imóveis rurais, seja por herança ou doação, enfrentará custos elevados, podendo tornar a sucessão inviável para fins de agronegócio, sem a necessária liquidez para fins de solvência.

Considerando que o Projeto de Lei já foi aprovado pela Câmara dos Deputados e deve ser votado pelo Senado Federal, ainda este ano, após as eleições municipais, é necessário analisar toda a situação dos ativos, especialmente o setor de agronegócio, pois as estruturas até hoje foram desenhadas em pilares que podem ser não mais úteis ou mesmo ter sua eficácia anulada.

Assim, apesar de a legalidade e a constitucionalidade questionáveis e o fato de o projeto de lei poder sofrer mudanças, é fundamental para os contribuintes verificarem e levantarem todos os cenários possíveis para que não sejam surpreendidos em um futuro muito próximo, pois se aprovado esse ano, as novas diretrizes serão aplicáveis já para o ano de 2025.


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