Pesquisa de Iniciação científica aponta riscos a Unidades de Conservação e pode auxiliar na formulação de políticas públicas
Uma pesquisa desenvolvida na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), que analisa dinâmicas da paisagem em áreas protegidas no Estado de São Paulo, conquistou o primeiro lugar no Prêmio MapBiomas, na categoria Jovem. O estudo detectou que os espaços analisados – Zonas de Amortecimento que protegem Unidades de Conservação -, de forma geral, perderam cobertura florestal ao longo dos anos e que faltam, no Cerrado, zonas classificadas como de alta preservação. (Na foto, Região de Zona de Amortecimento do Parque Estadual Vassununga, em Santa Rita do Passa Quatro).
O trabalho, desenvolvido no escopo de uma Iniciação Científica financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), é de autoria de Alexandre Bomfim Gurgel do Carmo, estudante de Ciências Biológicas no Campus Lagoa do Sino da UFSCar. A orientação foi de Paulo Guilherme Molin, docente no Centro de Ciências da Natureza (CCN), e co-orientação de Felipe Rosafa Gavioli, estudante de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Uso de Recursos Renováveis (PPGPUR), também da UFSCar.
O autor e os orientadores integram o Centro de Pesquisa e Extensão em Geotecnologias (CePE-Geo), grupo dedicado ao desenvolvimento de projetos com aplicação de geotecnologias, coordenado por Molin e André Toledo, também docente no CCN. O projeto de pesquisa é também vinculado ao projeto temático Fapesp NewFor (Compreendendo florestas restauradas para o benefício das pessoas e da natureza), do qual Molin é pesquisador.
Para as análises, foi utilizado o mapeamento de uso e ocupação da terra, disponibilizado pela Rede MapBiomas, que foi tratado pelo autor com o uso de ferramentas de geoprocessamento, enfocando as Zonas de Amortecimento (ZAs) de Unidades de Conservação (UCs) do Estado. O intuito foi analisar as dinâmicas da paisagem em cada ZA, gerando conhecimento novo a partir do mapeamento disponibilizado.
Unidades de Conservação são espaços territoriais protegidos por lei, podendo ser de proteção integral (que não permitem exploração) ou de uso sustentável (permitindo exploração com regras). Já as ZAs são áreas de entorno às UCs, como se fossem uma “zona tampão” – ou seja, um território em volta da unidade de conservação sujeito a normas e restrições específicas que visam filtrar impactos negativos das atividades no entorno, como ruídos, poluição, espécies invasoras e o próprio avanço da ocupação humana.
O trabalho avaliou, de forma inédita, como as ZAs de UCs paulistas estão evoluindo – de 1988 a 2018 – em relação a sua cobertura de vegetação nativa. Foram detectadas 33 ZAs classificadas como alta conservação; 18 como média conservação; e 34 como baixa conservação – sendo alta a cobertura de vegetação nativa acima de 40%; média, entre 20 e 40%; e baixa, inferior a 20%.
Outro dado encontrado diz respeito aos biomas: todas as ZAs classificadas como de alta conservação estão na Mata Atlântica – não há, portanto, nenhuma no Cerrado. “Vários estudos mostram que já existe pouca área preservada neste bioma. Para piorar, detectamos que, entre as UCs existentes ali, nenhuma tem zona de amortecimento com boa qualidade. O Cerrado no Estado de São Paulo está sendo negligenciado”, alerta Molin.
Além disso, as ZAs analisadas tiveram uma diminuição de mais de 38 mil hectares de vegetação nativa ao longo dos últimos 30 anos, e a maioria de alta qualidade de conservação está na categoria de uso sustentável, e não na de proteção integral.
“Em muitos lugares de vegetação nativa, detectamos, ao longo do tempo, uma transição para áreas de agricultura, de pastagens ou urbanas. Isso acende uma luz vermelha de que algo está errado, que uma política pública que deveria estar ajudando na conservação, de certa forma, não funciona como deveria”, analisa o docente.
“A presença de paisagens urbanas é um fato dos últimos anos, e o desenvolvimento das áreas estudadas é importante – porém, deve ser feito de forma sustentável, prezando pela conservação”, pontua Carmo.
Ao detectar quais zonas estão muito bem protegidas e quais não estão, o estudo traz dados importantes para ação do poder público. “É possível analisar quais UCs devem ser prioridade para alocação de verba pública, implementação de melhorias e outras estratégias que possam melhorar a qualidade da conservação desses espaços”, registra o docente da UFSCar.
Nesse sentido, Carmo acrescenta que o estudo pode auxiliar, de imediato, em tomadas de decisão e em políticas públicas que envolvam o plano de manejo adequado das ZAs das UCs do Estado de São Paulo, de acordo com cada particularidade.
Premiação – Em sua quarta edição, o Prêmio MapBiomas é realizado pela Rede MapBiomas, em parceria com o Instituto Ciência Hoje. A Rede desenvolve o mapeamento anual de cobertura e uso da terra no Brasil desde 1985, além de validar e refinar alertas de desmatamento, gerando laudos para cada alerta detectado no Brasil desde 2019. Também monitora mensalmente a superfície de água e áreas queimadas no Brasil.
A premiação visa estimular trabalhos que utilizam dados de qualquer iniciativa, módulo ou produto da MapBiomas, incluindo iniciativas de outros países.
“Em um momento tão difícil que estamos passando na Ciência e na academia brasileira, o Prêmio MapBiomas vem valorizar, reconhecer e destacar a importância das pesquisas científicas para o Brasil”, sintetiza Julia Shimbo, coordenadora científica do MapBiomas.
Para Shimbo, os trabalhos contemplados demonstram a seriedade e o compromisso da Ciência brasileira em contribuir na geração de conhecimento para a melhoria da sociedade e do País.
Molin corroroba com a ideia e enfatiza o grande diferencial da iniciação científica produzida na UFSCar, contemplada no Prêmio. “A Ciência, mesmo no nível de graduação, já comprova ser esclarecedora e inovadora, contribuindo com problemáticas da atualidade”, avalia o orientador.
Para ele, o Campus Lagoa do Sino, criado há oito anos, já aponta seu crescimento exponencial por meio de conquistas como esta. “Isso comprova a qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão realizados aqui e nosso enorme potencial, tendo a devida valorização e investimentos”, finaliza.
Com a conquista do primeiro lugar na categoria Jovem, Carmo recebeu prêmio de R$10.000 além de assinatura anual da Revista Ciência Hoje Digital e bolsa para realização de um curso de geoprocessamento de imagens de satélites, usando o Google Earth Engine, promovido pela Solved.
Acesse aqui detalhes sobre a premiação e demais pessoas contempladas.
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