Com cerca de 5000 participantes, o Congresso Brasileiro de Direito do Agronegócio (CBDA) reuniu virtualmente nesta quarta-feira (31 de março) um público altamente qualificado e renomados especialistas do agronegócio, do direito, da economia, de universidades e representantes do poder judiciário, legislativo e executivo. O evento atingiu todos os seus objetivos, segundo o ex-Ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, Coordenador do FGVAgro e Integrante do Conselho Curador do CBDA, ao “ampliar a clareza das legislações que normatizam o processo produtivo e as relações das cadeias produtivas com os poderes constituídos”.
Renato Buranello, presidente do IBDA – Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio, entidade organizadora do evento, resumiu a realização da primeira edição com frases que foram ditas pelos participantes nos quatro painéis: “Precisamos contar nossa história através da constatação de uma cadeia de produção complexa. No campo normativo, olhar o microssistema jurídico com todo o cuidado que o setor merece, para alcançar uma sistematização de regras do regime jurídico do agronegócio com mais equilíbrio, legitimidade e efetividade. A função jurisdicional é materializada nas decisões, mas uma sentença não é instrumento de política econômica, deve ser medida de exceção, a fim de diminuir a judicialização e melhorar o ambiente de negócios. É um enorme desafio. Entretanto, estamos cada dia mais perto de ser verdadeiramente o supermercado do mundo; com o agro brasileiro não só como destaque, mas como líder na produção de alimentos, bioenergia e fibras”.
Participação do Investimento Estrangeiro – O projeto de lei, PL 2.963/2019, do senador Irajá (PSD-TO), que regula a compra, e o arrendamento de propriedades rurais no Brasil por pessoas físicas ou empresas estrangeiras, foi um dos principais temas discutidos no painel 3 Participação do Investimento Estrangeiro do Congresso Brasileiro de Direito do Agronegócio (CBDA), que teve a mediação de Jacyr Costa, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Cosag/FIESP).
De acordo com autor do PL, que foi aprovado no Senado e está em análise na Câmara dos Deputados, o projeto tem cunho autorizativo, passando a ser uma alternativa para o produtor rural brasileiro ter o estrangeiro como potencial parceiro ou cliente. A seu ver, o país está vivenciando um dilema: encarar com seriedade o assunto, definindo um marco com regras claras e critérios do que se pode ou não fazer, ou continuar a fazer de conta que os estrangeiros não estão no país, seja por meio de arranjos societários, debentures ou até uso de laranjas.
Outra reflexão trazida pelo Senador foi sobre o papel decisivo do Brasil na segurança alimentar. “Diante desse quadro, o país continua como protagonista e lidera esse processo ou escolhemos viver em uma bolha e esses investimentos vão para nossos concorrentes na produção de alimentos. É uma decisão estratégica que o governo precisa tomar”. Ele comentou ainda que antes de 2010, não havia esse tipo de restrição aos investimentos estrangeiros, contribuindo para o desenvolvimento do agro. “Foi um bom teste e esse projeto não trata de algo novo. Estamos no limbo há 10 anos neste assunto desde o último parecer da AGU e essa conta é cara porque deixamos de receber nesse período cerca de R$ 500 bilhões em investimentos represados”.
André Pessoa, sócio-diretor da Agroconsult, afirma que o projeto vem preservar a soberania nacional porque a regra será a mesma para todos, ou seja, não haverá nenhuma regra especial para os estrangeiros nas questões ambiental, fiscal ou trabalhista. Em sua avaliação, os benefícios do projeto não se trata apenas do fluxo de capitais que poderia contribuir para o desenvolvimento do setor e de regiões brasileiras, como o Norte, Nordeste e Centro-Oeste, mas também a possibilidade de contar outros agentes como parte do segmento, auxiliando na interlocução com o mercado internacional.
Nesse sentido, essa interlocução contribuiria para mostrar quão rígida são as leis ambientais no país, o que tem sido feito pelo mercado e, do ponto de vista geopolítico, colocar o Brasil como parceiro ainda mais confiável no fornecimento de alimentos para o mundo. Além disso, Pessoa destacou que os investimentos viriam em alta escala, com um padrão importante de governança, e seria uma possibilidade de venda de ativos para questões onde não há a sucessão de um negócio.
Para Marcelo Jank, coordenador do Centro Insper Agro Global; a questão tratada pela PL é bastante importante para liberar o capital internacional para o agro brasileiro. Isso porque o tema é muito antigo e ainda não foi disciplinado. Com isso, empresas brasileiras controladas por estrangeiros, há décadas no Brasil, estão em risco jurídico. Atualmente, são quatro milhões de hectares nas mãos de estrangeiros com atuação no país, um valor menor do que nos Estados Unidos, por exemplo, que é de 11 milhões de hectares.
Ele afirmou que há pouquíssimos investimentos estrangeiros na questão das terras brasileiras, cerca de 1%; e que esse índice poderia ser ampliado, resultado em capital de longo a longuíssimo prazo. Segundo sua avaliação, isso poderia facilitar o acesso em mercados de diversos países, uma maior reciprocidade com outras nações, que podem ampliar a importação de alimentos.
Já Dan Kraft, advogado integrante da ordem de Quebéc e professor da Universidade de Montreal, no Canadá, salientou que o ambiente de negócios é adverso e desafiador em todas as nacionalidades, por isso é importante criar um ambiente regulatório seguro. A seu ver, o Brasil já está avançado na agenda de desenvolvimento sustentável, perseguindo princípios relacionados ao emprego, infraestrutura, tecnologia e ecologia.
Por outro lado, ele ponderou que durante a pandemia houve uma queda de 50% dos investimentos em nível global. No caso dos países desenvolvidos, esse percentual chega a 70% e na América Latina, o índice é menor, de 25%. Com isso, o cenário é de escassez de investimento no mundo e quando eles voltarem não se sabe qual será a velocidade. Assim, a importância de elevar o grau de maturidade da regulação brasileira para dar certeza aos investidores e, ao mesmo tempo, garantindo a soberania do país.
Diante desse cenário, Venilton Tadini, presidente Executivo da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB), ressaltou que é fundamental criar um ambiente de negócios para que o capital externo venha, porque o capital estrangeiro sai na crise e volta no crescimento. Mas, para ter esse retorno é preciso ter uma demanda sustentável, se não o país vai ficar na rabeira da atratividade.
Para a criação desse ambiente sustentável, Tadini mencionou quatro fatores: o cenário internacional, com a expectativa de crescimento dos Estados Unidos e da China, que podem aquecer ainda mais a demanda no comércio internacional; a macroeconomia, no qual os juros e câmbio são fundamentais; os financiamentos sustentáveis e as reformas, que irão sinalizar o tratamento da questão fiscal e todo o ambiente de regulação.
Sistema de Financiamento Privado – Já no quarto painel Sistema de Financiamento Privado, mediado por Renato Buranello, os dois Ministros do Superior Tribunal de Justiça, Raul Araújo Filho e Ricardo Villas Bôas Cueva, trouxeram sua análise sobre a recuperação judicial no agronegócio.
Para Cueva, a nova Lei 14112 concretiza a segurança jurídica, ao incluir inovações, como a comprovação da atividade do produtor rural antes dos dois anos do registro, por meio do livro caixa digital ou registros contábeis, o que denota uma formalização de informações. Outra avaliação trazida pelo Ministro foi sobre as dívidas excluídas em uma recuperação judicial, como a CPR física, compras de propriedade rural e crédito rural. Mesmo sendo uma questão delicada, ele avalia que os ativos físicos não devem integrar a recuperação judicial.
Já Araújo Filho pondera que determinadas operações não podem se sujeitar aos efeitos da recuperação judicial, o que levou ao legislador subtrair determinadas operações em parte. Além disso, o Ministro trouxe ainda o entendimento sobre a inclusão do período anterior à formalização de registro na Junta Comercial quando o produtor rural requerer a recuperação judicial. Isso porque, diferentemente de outros empresários, o produtor rural pode optar ou não pelo registro como empresário. O efeito retroativo, desse modo, simplifica sua situação e os créditos anteriores ao período de inscrição podem ser usados na recuperação judicial.
Sobre financiamento público e privado, Rogério Boueri, subsecretário de Política Agrícola e Negócios Ambientais do Ministério da Economia, explicou que é importante fortalecer o financiamento privado porque, apesar do sucesso do sistema nacional de crédito rural, há sinais de esgotamento e, no longo prazo, não irá mais se sustentar.
João Rabelo Júnior, vice-presidente de Agronegócios e Governo do Banco do Brasil, corroborou com a avaliação de Boueri, quando citou alguns cálculos que confirmam que o crédito rural não é mais suficiente. Para a safra atual seriam necessários R$ 320 bilhões para financiar 75 milhões de hectares. Mas, estão disponíveis R$ 110 bilhões, por meio da poupança, depósito à vista e LCA, sendo o Banco do Brasil, responsável por metade desse valor. Ou seja, R$ 220 bilhões estão fora desse processo.
Segundo Rabelo Junior, a redução da taxa de juros tem permitido que o Banco do Brasil desenvolva outras soluções e, em sua avaliação, os produtores rurais estão se sentindo mais preparados para pegar soluções. Foram gerados, por exemplo, R$ 4,5 bilhões de CPR. Ele ainda acrescentou que o CRA também tem sido apresentado ao público investidor, o que fez com que o sistema inteiro emitisse R$ 48 bilhões.
Em sua apresentação, Rogério Boueri citou algumas iniciativas para o fortalecimento do financiamento privado como a Lei do Agro, que criou novas modalidades, como o CIR e o patrimônio em afetação e modernizou a CPR; o Fiagro, que permite um fundo de investimento imobiliário para a área rural e poderá ajudar a resolver a questão fundiária e o PSA (Pagamentos por Serviços Ambientais).
Essa sequência de novas normas, na opinião de Frederico Favacho, consultor jurídico da Associação Nacional de Exportadores de Cereais (Anec), criam novo ambiente para dar segurança aos investidores que têm interesse pelo agro, mas que não encontravam o local correto. “O ambiente regulatório está sendo construído e pode ter como consequência direta: novas linhas de crédito para o médio de produtor, alavancagem econômica para as revendas e garantir um sistema com maior liquidez, onde o dinheiro circula pelo mercado ao longo de toda a safra”, explicou. Contudo, para ele, esse ambiente tem que repercutir na prática dos contratos, nas relações entre produtores e os investidores e precisa encontrar eco no poder judiciário.
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I Congresso Brasileiro de Direito do Agronegócio
Data: 31 de março de 2021 | Horário: a partir das 9h00 | Transmissão online Canal do Youtube do IBDA
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