Planejamento nutricional para o período de transição
Por Matheus Capelari / Luiz Carrijo
Nenhuma fonte de energia é mais barata que a luz solar. Nesse sentido, a produção de bovinos de corte em pastagens é uma vantagem competitiva para o Brasil, que usufrui das condições climáticas de um país tropical e da disponibilidade de recursos naturais para a produção de carne à custos menores. No entanto, nas principais regiões produtoras, observa-se uma estacionalidade muito evidente na produção de capim devido às variações nos níveis de precipitação, o que reflete diretamente na relação solo-capim-animal e no potencial produtivo do gado. A fase de transição águas-seca, que no Brasil central ocorre entre Abril e Junho, se caracteriza pelo período no qual o capim começa a diminuir em quantidade e qualidade, seguindo a diminuição dos volumes de chuvas.
A diminuição das chuvas e da temperatura altera o perfil de crescimento do capim, sua composição morfológica e nutricional, diminuindo a oferta de nutrientes e o desempenho animal. O crescimento vegetativo diminui nesse período, e a planta se prepara para produção de sementes. As consequências dessa mudança morfológicas para as características bromatológica, valor nutricional do capim e desempenho animal podem ser sumarizadas conforme abaixo:
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- Aumento da matéria seca (MS) e da fibra (FDN) da forragem;
- Diminuição da proteína bruta (PB) da forragem;
- Diminuição da digestibilidade e do valor nutricional da forragem;
- Redução da capacidade ingestiva do animal devido ao maior enchimento ruminal;
- Redução da atividade de microrganismos fibrolíticos no rúmen, reduzindo a digestibilidade da FDN.
- O menor consumo e aproveitamento do capim reduz o ganho de peso do gado.
Assim, a suplementação estratégica se torna uma ferramenta essencial para manutenção da performance animal no período de transição, corrigindo as deficiências do capim e permitindo o melhor aproveitamento dos nutrientes.
Mas então, qual seria o suplemento ideal para o gado nesse período? Vale lembrar que cada fazenda tem sua própria dinâmica ao longo do ano e, quanto ao manejo do pasto, o que o produtor enxerga hoje é um reflexo do que tem feito ao longo do último ano, pelo menos. Portanto, uma visão estratégica de longo prazo é sempre muito importante para que o produtor esteja preparado para encarar os períodos de déficit de alimentos na fazenda, e evite que isso prejudique o desempenho animal.
Para novilhos que estão saindo das águas recém desmamados, com peso entre 180-220 Kg, o período de recria no Brasil é tradicionalmente longo, caracterizado por suplementação de baixo consumo (mineral/ureado), entregando os animais, no melhor dos cenários, com 230-250 Kg na entrada das próximas chuvas em Novembro. Esse cenário é mais conservador, portanto resulta em menor necessidade de investimento em nutrição e estrutura, por outro lado reduz o desfrute e o potencial de lucro do produtor. Para esse tipo de situação, a venda dos bezerros pode se tornar um negócio interessante pois reduz a pressão sobre os pastos e permite ao produtor se capitalizar.
Uma opção interessante para melhores ganhos é o diferimento/vedação de pastagens na saída das águas para serem utilizadas durante o período de transição/seca. Essa alternativa permite que alguns piquetes sirvam de reserva de alimento para o gado, e quando combinado com uma suplementação estratégica, permite ganhos de peso de até 300-500g/d. Dessa forma, os animais entrariam nas águas com 250-280 Kg, podendo assim ser terminados no ano subsequente. No entanto, o correto diferimento é muito importante para o sucesso dessa técnica. É muito comum que pastos diferidos no final das águas e utilizados 4 meses depois, no pico do período seco, apresentem uma boa quantidade de massa, mas com baixo valor nutricional.
Uma terceira estratégia que tem crescido nos últimos anos é a utilização das instalações de confinamento para a recria confinada ou resgate. Essa técnica permite ao produtor um maior controle sobre o GPD do gado, que nessas situações gira em torno de 600-800g/dia. O principal cuidado nesse período é justamente controlar o GPD excessivo, já que os animais ainda estão fisiologicamente em crescimento e altos níveis de energia restringem o crescimento animal em detrimento da deposição de gordura. O ideal para as dietas nesse período é o uso de silagens de capim ou sorgo, menos energéticas que as de milho. Fontes de proteína de boa qualidade também são desejáveis, como o farelo de soja e de algodão, ou subprodutos da produção de etanol de milho. Nesse cenário os animais chegam nas próximas chuvas entre 280-310 Kg e podem ser terminados nas secas do ano subsequente.
Para garrotes mais pesados (10-12@) a fase de transição deve ser encarada como uma fase de pré-adaptação à dieta de engorda e terminação, seja ela feita em semi-confinamento ou confinamento. Animais nessa fase já estão fisiologicamente mais maduros e, portanto, com estrutura mais pronta para a engorda. No entanto, o requerimento de energia para manutenção dessa categoria é mais alta, tornando a terminação desses animais exclusivamente a pasto muito difícil. O ideal é que os animais recebam nesse período um suplemento para consumo de 3 a 5g/Kg de peso vivo. Esse perfil de suplemento permite uma boa adaptação da flora microbiana do rúmen a dietas com mais amido, além de adaptar os próprios animais ao manejo de fornecimento diário de suplemento. Para esse perfil de suplemento é necessário um espaçamento de cocho de pelo menos 30 cm linear por cabeça e é fundamental o acompanhamento mais frequente dos animais. Um dos sinais importantes que pode ser usado para avaliar o andamento da suplementação, é o escore de fezes do gado. As fezes devem estar pastosas, com coloração amarronzada e sem apresentar muco. Fezes aneladas normalmente estão relacionadas a falta de proteína e problemas na digestibilidade do capim, e fezes muito líquidas podem ser sinal que alguns animais estão consumindo muita ração, sem estar adaptado para tal. Lotes menores (até 100 animais) e mais homogêneos (menor variação de peso e raça) ajudam no bom desenvolvimento desse tipo de estratégia por permitirem menor disputa no cocho e um consumo mais parelho do suplemento.
Por fim, mas não menos importante, os animais necessitam de disponibilidade de água de boa qualidade e em quantidade, para que possam desempenhar e ganhar peso. O produtor deve se atentar para o período de transição e seca do ano principalmente quando utiliza fontes naturais como cacimbas. Esse tipo de reservatório tende a ficar mais raso com a diminuição das chuvas, muitas vezes forçando os animais a entrarem no reservatório. Esses fatores podem aumentar a concentração e ingestão de toxinas, como a toxina botulínica (Souza et al., 2006;). De acordo com o último NRC de 2016, um animal de 270 Kg em condições de temperatura tropical de 32° C deve ingerir em torno de 48 litros de água por dia. Apesar de ser usado como base de requerimentos também para raças taurinas, esses valores nos dão uma boa ideia da importância da disponibilidade de água para bovinos em condições tropicais. Portanto, o planejamento do fornecimento de água também é um fator primordial para o sucesso de um projeto pecuário na transição – seca.
Referências:
Fagundes et al. 2006. Características morfogênicas e estruturais do capim-braquiária em pastagem adubada com nitrogênio avaliadas nas quatro estações do ano. Revista Brasileira de Zootecnia.
Souza et al. 2006. Esporos e toxinas de Clostridium botulinum dos tipos C e D em cacimbas no Vale do Araguaia, Goiás. Pesquisa Veterinária Brasileira.
National Academy of Sciences, Engineering, and Medicine. 2016. Nutrient Requirements of Beef Cattle, Eighth Edition. Washington, DC.
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