Medidas de extrema polarização política tem provocado insegurança jurídica no campo, aumentando o conflito agrário no país.
Uma fazenda invadida pelo Movimento Sem Terra próximo a Belo Horizonte (MG) por pelo menos 15 dias começou a ser desocupada no inicio deste mês após uma reunião entre o MST e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Esse caso teve um acordo, mas nem todos são assim. Nos últimos meses, inúmeras invasões foram registradas provocando uma série de questionamentos e insegurança jurídica aos produtores rurais.
Esse caso é exceção dentre muitas invasões que ficam longe de um acordo. Uma ação judicial que tramita no STF reforça este cenário. Trata-se da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 828) , que impacta a proteção da propriedade rural no Brasil. Em junho de 2021, na ADPF 828, o STF suspendeu, inicialmente por seis meses, ordens de remoção e despejos de áreas coletivas habitadas antes da pandemia. Depois, o prazo foi prorrogado por três vezes (até 31/3/2022, 31/6/2022 e 31/10/2022).
A suspensão do STF deu-se na pandemia de COVID-19, quando o PSOL entrou com a ADPF 828, no Supremo Tribunal Federal (STF) buscando impedir desocupações urbanas, mas posteriormente esta decisão acabou sendo estendida para áreas rurais. Na época, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, criou um regime de transição para as reintegrações de posse,
fundamentando-se na diminuição da renda média e no aumento da fome, argumentos subjetivos e abstratos. “Nesta ADPF o STF criou um mecanismo que apesar de ser denominado de ‘regime de transição’, é na realidade um requisito permanente. Com isso o Supremo Tribunal Federal (STF) criou um complicador adicional para deferir reintegrações de posse, ao determinar a criação de centros de solução de conflitos fundiários em todos os tribunais. Isso levanta questões sobre a lógica de proprietários rurais terem que lidar com problemas sociais por meio de invasões de propriedade , explica Marcelo Gorski Borges, Procurador Federal.
Em recente entrevista ao Programa Momento Tributário , transmitido em multiplataforma pela Rádio Agro Hoje, o procurador cita três equívocos na decisão do Ministro Barroso : a dificuldade em comprovar melhorias econômicas e sociais, a falta de congruência entre o pedido inicial e a de cisão judicial, e a adoção de um modelo nacional baseado em práticas regionais do Paraná. “Essas decisões ampliam a insegurança jurídica no campo, podendo levar a conflitos violentos entre produtores e invasores. Marcelo também critica a falta de diferenciação entre propriedades que cumprem e aquelas que não cumprem a função social, destacando a necessidade de um tratamento diferenciado. Além disso, tem a burocracia excessiva e as condições impossíveis impostas aos municípios para a realização de reintegrações de posse, o que inviabiliza o processo e prejudica os produtores rurais”,
conceitua.
A falta de ação do Judiciário como mediador das relações sociais é considerada extremamente preocupante e requer conscientização e ação por parte dos produtores rurais, da sociedade e da advocacia, como explica o advogado especialista em Direito Tributário, Eduardo Berbigier . “A liminar impõe ônus da prova aos produtores para demonstrar melhorias em suas condições de subsistência, dificultando ainda mais a reintegração de posse de terras invadidas. Essa situação pode levar a conflitos e até mesmo a uma potencial escalada para uma guerra civil, como evidenciado por confrontos recentes entre índios e proprietários rurais, no oeste paranaense,” argumenta Berbigier.
As invasões são frequentemente violentas, causando danos às propriedades e animais, e os produtores frequentemente recorrem ao Judiciário em busca de soluções para a decisão tomada no âmbito da ADPF 828 em relação às questões de direitos humanos. De acordo com o procurador, “ o processo é burocrático e demorado, resultando em dificuldades significativas para os produtores rurais, que já enfrentam um longo caminho para obter a decisão de reintegração de posse. Além disso, tem uma carência na distinção feita entre propriedades que cumprem ou não a função social – algo que para mim é um defeito grave ” , avalia.
Segundo os especialistas, a reforma agrária deve ser realizada de forma a beneficiar os pequenos produtores, e não permitir a criação de assentamentos que posteriormente são vendidos no mercado paralelo. Outro fato importante é que existe uma dificuldade enfrentada pelo Judiciário na implementação de medidas como as Comissões de Conciliação, ressaltando a falta de diálogo com outros setores da sociedade. Além disso, as condições impostas pela resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tornam a reintegração de posse praticamente inviável, especialmente em municípios com pouca estrutura, o que prejudica a efetividade da jurisdição.
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