Da extração na floresta ao consumo, inovações aprimoram a cadeia produtiva que abastece a indústria da beleza e bem-estar com recursos do PPBio
Destravar a bioeconomia amazônica, com redução do desmatamento, aumento da renda e inclusão social, requer o desenvolvimento de negócios inovadores nos vários elos das cadeias da floresta, como a dos óleos vegetais, de crescente demanda pela indústria de cosméticos, alimentos e bioplásticos. São soluções que abrangem desde o fortalecimento da visão empreendedora das comunidades extrativistas até a tecnologia para gestão de colheitas, a criação de novos maquinários que facilitam o processo industrial, os softwares destinados ao rastreamento do insumo e, por fim, a comercialização de serviços ou produtos de qualidade e maior valor agregado diretamente ao consumidor.
A estratégia de ponta a ponta, já em curso na produção de óleos e essências florestais, representa um novo paradigma do extrativismo na Amazônia, de forma a dar escala e competitividade em mercados exigentes nas questões socioambientais. “Para mudar o padrão que funciona como nos séculos anteriores, é preciso investir em gestão e embutir ciência e tecnologia nas cadeias produtivas da sociobiodiversidade, com resultados mais efetivos de longo prazo”, afirma Paulo Simonetti, líder de captação e relacionamento com o investidor do Programa Prioritário de Bioeconomia (PPBio).
A iniciativa, coordenada pelo Idesam, ONG voltada ao uso sustentável da Amazônia, é uma política pública da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) para o repasse de investimentos obrigatórios de Pesquisa & Desenvolvimento pelas indústrias, conforme a Lei de Informática. Ao completar quatro anos, o PPBio soma R$ 91 milhões em aportes por 34 empresas investidoras, com 31 projetos em execução ou já concluídos, entre os quais se destacam bionegócios com óleos de andiroba, copaíba, murumuru, castanha-do-brasil e outros que ganham espaço no mercado.
Os projetos têm contribuído para solucionar gargalos das cadeias desde a origem na floresta – como boas práticas de manejo, logística, capacidade de fornecimento, preços e padrões de qualidade – de modo que os produtos cheguem na ponta final aliando cultura tradicional e visão de mercado. Segundo estimativa da Teco Finance Export, trade especializada em oleaginosos tropicais, a Amazônia tem potencial de suprir pelo menos 20% do mercado europeu, que representa um volume de 2 mil a 3 mil toneladas por ano.
Inovar na gestão comunitária – No caso da Inatu Amazônia, marca comunitária apoiada pelo PPBio, a inovação está na gestão da produção coletiva que atualmente reúne seis organizações sociais nos municípios amazonenses de Itapiranga, São Sebastião do Uatumã, Lábrea e Apuí, envolvendo óleos de copaíba, andiroba, buriti e óleo essencial de breu, além de manteiga de cupuaçu e tucumã.
No projeto, os recursos de empresas do Polo Industrial de Manaus, via PPBio, são investidos em uma nova plataforma de gestão de óleos vegetais, com lançamento previsto para final de maio deste ano para uso em três usinas comunitárias de beneficiamento, com melhor precificação e rastreabilidade dos produtos. O investimento abrange também um aplicativo de celular para a gestão produtiva na palma da mão, com dados sobre a localização das árvores, o volume de óleos entregues nas usinas e a disponibilidade para os compradores.
“O plano é aumentar a escala visando o fornecimento de maneira continuada, também no mercado internacional”, revela Marcus Biazatti, líder de Produção Sustentável, no Idesam.
Em 2022, a marca coletiva comercializou 62,6 toneladas de óleos para 33 empresas, no total de R$ 4,9 milhões, com renda mensal média de R$ 2,9 mil por extrativista. O modelo prevê neste ano a criação de um marketplace e um fundo financeiro que garante o retorno do lucro na forma de novos investimentos definidos pelas organizações comunitárias, lideradas na maioria por mulheres. “Avançamos nas soluções para que a cadeia se mantenha de pé, preparando os produtores para o salto como negócio”, afirma Biazatti.
Maior rendimento na produção – A empresa Agrosmart, que atualmente fornece tecnologia de gestão climática para cerca de 100 mil produtores em 48 milhões de hectares do agronegócio no País, se juntou aos desafios das cadeias da floresta na Amazônia. Primeiro, a climate tech recebeu investimento para monitorar água e energia por sensores na produção de açaí, em Codajás (AM), e agora avalia o uso dessa tecnologia na cadeia da castanha-do-brasil, incluindo a extração de óleo vegetal. A estratégia, com apoio do PPBio, é chegar a uma segunda inovação: a identificação de árvores, via Global Position System (GPS) por radar, facilitando a colheita após mudanças naturais na composição da floresta entre uma safra e outra.
“Além de dados ambientais e sociais sobre os fornecedores e a origem do produto, necessários à exportação, o sistema como um todo permite que o próprio extrativista possa monitorar a cadeia”, explica Paulo Quirino, responsável pelas operações da Agrosmart na Amazônia.
Já a startup Inova Manejo, sediada em Macapá (AP), desenvolve maquinário para melhorar a produção de óleos vegetais. A inovação está na nova prensa de sementes construída em aço inox, em lugar da madeira, com mecanismo hidráulico que facilita o processo manual onde não há energia elétrica regular. “Alcançamos maior rendimento e qualidade, além do menor custo”, informa Marcelino Guedes, pesquisador da Embrapa e fundador da startup, cujos sócios são mestres e doutores na Universidade Federal do Amapá.
Após aporte inicial de recursos, por meio do programa Inova Amazônia, do Sebrae, a empresa recebeu investimento do PPBio para avançar na tecnologia, aplicada inicialmente na extração de óleo de pracaxi – insumo da biodiversidade de propriedades medicinais e cosméticas. As pesquisas de campo ocorrem na comunidade Limão de Curuá, no Amapá, distante 12 horas de barco da capital, onde atividade – operada por mulheres – é de grande importância na renda, junto ao manejo de açaí, realizado pelos homens. “Após os primeiros resultados, a estratégia da startup é replicar o uso do maquinário para os óleos de andiroba e murumuru”, diz Guedes.
A empresa nasceu para serviços no suporte ao manejo do açaí com baixo impacto na floresta nativa, por meio de imagens de satélite, drones e inteligência artificial. A tecnologia também se aplica à produção do óleo de pracaxi, com geração de indicadores às empresas compradoras que precisam comprovar práticas ESG (ambientais, sociais e de governança). “Não olhamos só o lucro, mas o impacto positivo na cadeia, e para isso a Amazônia precisa de dados confiáveis”, completa o pesquisador-empresário.
Rastreabilidade até o consumo – “Precisamos inserir pequenos e médios produtores em cadeias de valor mais modernas”, destaca Expedito Belmont, CEO da Btracer, que utiliza tecnologia blockchain para certificar com segurança e transparência toda a jornada do alimento, desde a fazenda até a mesa do consumidor. Depois de operar no mercado de café e grãos, a empresa levou transformação digital à produção na Amazônia, inicialmente junto à Rede Maniva, para o rastreamento do guaraná, em Maués (AM), e do cacau, na região do Rio Madeira, quanto a conformidades sociais e ambientais.
Atualmente, por meio de conexões via PPBio, o plano inclui a replicação da tecnologia na cadeia de óleos vegetais, de modo a fortalecer a comunicação com consumidores finais, ao garantir a origem e a identidade geográfica dos produtos. “Buscamos como diferencial adequar o blockchain ao pequeno produtor, que a três cliques pode fazer os registros necessários, com custo reduzido”, enfatiza Belmont. Processos de gamificação e recompensas, como o cashback, induzem engajamento: “A Amazônia precisa utilizar tecnologias que o mundo está usando”.
Cosméticos com nanotecnologia – As inovações ao longo dos elos da cadeia se refletem no produto final e na competitividade de mercado. Além dos investimentos já realizados em empresas nascentes que buscam se consolidar na venda de óleos da floresta ao consumidor, o PPBio tem um portfólio de projetos candidatos a novos aportes para cosméticos de alto padrão, principalmente para o tratamento da pele. Um exemplo é a Darvore, que lançou no ano passado produtos de formulação inédita, com base em nanotecnologia – inovação capaz de potencializar os efeitos da aplicação.
São loções cosméticas para hidratação profunda e controle de oleosidade, com ingredientes amazônicos: seiva de copaíba, óleo de andiroba e cumaru e manteiga de cupuaçu e tucumã, matérias-primas adquiridas de comunidades extrativistas da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Uatumã, no Amazonas. Além da fórmula, a inovação, patenteada em parceria com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT), possibilitou pela primeira vez obter nanocápsulas feitas com insumos da floresta – e não materiais sintéticos, como na tecnologia convencional.
“Buscamos um mercado acima do premium, com produtos competitivos de alto potencial de rendimento e resultados, unindo sustentabilidade e qualidade e integrando o movimento de ajudar a combater o desmatamento com geração de renda”, ressalta João Tezza, fundador da Darvore. Enquanto constrói a marca junto ao mercado de estética e beleza, a startup busca investimentos para transformar novas formulações amazônicas em produtos finais. “O PPBio é uma oportunidade para o desenvolvimento da Amazônia com base em uma matriz regional”, afirma Tezza.
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