Especialista explica o que a nova Lei aprovada ontem pode interferir nas exportações do Brasil ao bloco da UE
O Parlamento Europeu aprovou uma lei contra o desmatamento nesta quarta-feira (19) que exigirá a verificação de uma gama de produtos como café, carne bovina, soja, cacau, óleo de palma, borracha, madeira e carvão vegetal que não foram produzidos em terras desmatadas após 2020. A norma também deve se aplicar a produtos derivados, como couro, chocolate e móveis.
A aprovação da Lei pelo Parlamento da União Europeia contra as importações de produtos ligados ao desmatamento não respeita o código florestal do Brasil, que prevê o desflorestamento legal de parte das propriedades rurais. A UE é a maior compradora de farelo de soja do Brasil, tradicionalmente respondendo por cerca de 60% das exportações totais de derivados de soja. Mas também é importante importadora do grão bruto da oleaginosa e do milho, além de responder por metade do café brasileiro exportado.
O bloco europeu também demanda bons volumes de carnes –especialmente de cortes nobres e mais caros–, e outros produtos agrícolas nacionais. A Lei chamou a atenção para o fato de a legislação europeia buscar se sobrepor à brasileira, e que os europeus adotaram uma postura de “regradores”, sem consultar os países fornecedores.
Para Fábio Pizzamiglio, diretor da Efficienza, empresa especializada no comércio exterior, a nova regra afirma uma tendência de mercado. “O que observamos atualmente, quando falamos de exportação, é uma busca por produtos que sejam sustentáveis e que tenham certificações ambientais. O movimento da União Europeia reflete o cenário atual, onde produtos que buscam que todo o processo produtivo seja realizado a partir de boas práticas ambientais são mais atrativos. Desta forma, a nova regra vem de encontro com as tendências que já podíamos observar no mercado”, afirmou o executivo.
Outro aspecto apontado pelo executivo é a necessidade de adaptação e diálogo com a União Europeia. “Atualmente estamos fazendo um movimento que busca estreitar os laços econômicos com os países asiáticos. Porém, a União Europeia tem grande importância para a nossa economia, principalmente quando falamos do café, e, por este motivo, será necessária a realização de diálogos e aproximação, tal como a revisão de regras para produtos que tem o foco na exportação, se for necessário. Acredito que esse será um dos principais temas para a viagem do presidente da república no continente Europeu”, explicou o executivo.
Dependendo da região, a lei brasileira permite a utilização de 80% da propriedade para a agropecuária, deixando o restante como reserva ambiental. Na região amazônica, por outro lado, o código florestal prevê que 80% da mata de uma propriedade seja mantida em pé.
O desmatamento é responsável por cerca de 10% das emissões globais de gases de efeito estufa que impulsionam as mudanças climáticas globais, e a lei aprovada pelo Parlamento visa abordar a contribuição da UE para isso. A lei, aprovada após um acordo entre negociadores no ano passado, não visa nenhum país em particular, mas enfrenta resistência em outras nações.
A Indonésia e a Malásia, os maiores exportadores mundiais de óleo de palma, acusaram a UE de bloquear o acesso ao mercado de seu produto. Pelo lado brasileiro, o Itamaraty está avaliando como o Brasil poderá se colocar em relação à lei aprovada pelos europeus, mas espera que alguns Estados do bloco, que ainda precisam confirmar a aprovação do Parlamento, rejeitem a legislação como ela está colocada.
Quando a lei for aprovada pelos Estados, as grandes empresas terão 18 meses para cumpri-la, e as empresas menores, 24 meses. As companhias que não cumprirem podem enfrentar multas de até 4% do faturamento de uma empresa em um Estado-membro da UE.
Café e carne – A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) não viu com surpresa a aprovação da lei, considerando o acordo anterior, e disse que o setor já faz monitoramento de desmatamento desde 2009.
Atualmente, há 1.400 fazendas brasileiras que fornecem gado para exportação de carne ao mercado europeu, segundo dados divulgados pela Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável. A entidade acredita que estas fazendas, que são fornecedores diretos dos frigoríficos, já estão em processo de adequação e podem atender aos novos requisitos exigidos no prazo de até 18 meses.
Já o setor de café recebeu com certa tranquilidade a lei europeia, afirmando que a produção do país já é rastreável, além de ser realizada de maneira geral em áreas consolidadas, sem grande pressão por desmatamento. De acordo com os dados do Conselho dos Exportadores de Café no Brasil (Cecafé) a exportação de café do Brasil entre março de 2022 e março de 2023 foi de 37 milhões de sacas, representando uma queda de 7,7% em comparação ao mesmo período do ano anterior. As exportações brasileiras foram destinadas a 102 países, com a maioria (50,8%) na Europa, seguida da América do Norte (20,8%), Ásia (17%), América do Sul (8,2%), Oceania (1,4%), América Central (1,1%) e África (0,7%).
O tipo de café mais exportado pelo Brasil no ano safra de 2022/23 foi o arábica, representando 86,4% das vendas internacionais do produto brasileiro. Em seguida, vieram o solúvel (10,0%) e o robusta (3,5%). O café torrado e moído teve uma participação mínima de apenas 0,1%. As exportações de café são uma importante fonte de receita para o Brasil, que é o maior produtor e exportador mundial do grão. A queda na exportação pode ter impactos significativos na economia do país, especialmente nas regiões produtoras de café.
“O café tem grande importância em toda a nossa economia e existem regiões no Brasil que dependem da exportação do café para fazer com que a roda da economia gire. Deste modo, acredito que as conversas dos representantes brasileiros na Europa terão como foco esse tipo de aproximação, principalmente para a manutenção desse mercado”, completou Pizzamiglio.
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