A constitucionalidade da Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/2005) pode ter seu julgamento, em sessão virtual, iniciada nesta sexta-feira (27) pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com previsão de duração até 03 de setembro. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3526), proposta em 2005 pelo então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, contesta mais de 20 dispositivos da lei que estabelece normas e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados (OGMs) e seus derivados.

Após mais de 15 anos com o processo paralisado no STF, a Ação foi incluída na pauta da Corte logo após o novo relator da ADI, o ministro Nunes Marques, ser empossado, em novembro de 2020. Incluída na pauta do dia 03 de fevereiro deste ano, a ação não teve julgamento iniciado.

No período de mais de uma década de implementação da Lei os argumentos contidos na Ação Direta de Inconstitucionalidade foram confirmados. De acordo com as organizações sociais e movimentos populares, a chamada Lei de Biossegurança atendeu às pressões político-econômicas do agronegócio e abriu o país ao mercado das sementes transgênicas. O resultado, já denunciado pelas organizações à época da aprovação da lei, tem sido a violação do princípio constitucional da obrigatoriedade na realização de estudos de impacto ambiental de atividades com potencial dano ao meio ambiente e um cenário de ampla flexibilização e aprovação de agrotóxicos e transgênicos no país, entre outros prejuízos.

Conforme o artigo 225 da Constituição Federal, atividades com potencialidade de prejuízos ao meio ambiente – como o uso de organismos geneticamente modificados – devem ser submetidas obrigatoriamente a estudos prévios de impacto ambiental. Com a lei, a partir de 2005, a realização dos estudos passa a ser facultativa e condicionada à decisão da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Ou seja, em descumprimento com a lei constitucional, a CTNBio, de modo isolado, pode decidir pela não necessidade de elaboração do estudo prévio ambiental. Em manifestação sobre a Ação a Procuradoria Geral da República destaca que “o que define a obrigatoriedade do EIA [Estudo de Impacto Ambiental] não é o arbítrio do poder público ou de uma repartição burocrática, mas a natureza da atividade desenvolvida”.

“A possibilidade de dispensa de Estudo de Impacto Ambiental pela CTNBio se tornou a regra das decisões da comissão, já que os processos de liberação para cultivo ou comercialização  de OGMs não são remetidos aos órgãos do Sisnama”, aponta a assessora jurídica popular da Terra de Direitos, Naiara Bittencourt, em referência à exclusão de demais órgãos da administração pública na avaliação dos OGMs. Integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) possuía  – antes da Lei de Biossegurança –  a competência de analisar os impactos ambientais de organismos geneticamente modificados.

 

Violação da competência da União, estados e municípios – Outro ponto de destaque da Ação Direta de Inconstitucionalidade diz respeito aos dispositivos que atribuíram competência exclusiva para a CTNBio de decisão sobre casos de liberação de produção ou comercialização dos organismos geneticamente modificados. Com isso os demais órgãos públicos federais, dos estados e municípios têm anulado o exercício de suas funções em relação aos OGMs. Em manifestação aos ministros, a Terra de Direitos e o Movimento dos Pequenos Agricultores destacam que “é justamente a competência comum nessa matéria que permite a cooperação entre todos os entes federados, seus órgãos e entidades na proteção e busca pelo meio ambiente ecologicamente equilibrado, consagrado na Constituição Federal”. A Lei 11.105/2005 ainda indica, na prática, que a fiscalização dos OGMs é tarefa exclusiva dos órgãos federais, excluindo as demais esferas.

Um efeito concreto da aplicação da Lei é a posição de desobrigação da Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (ADAPAR) em fiscalizar o não cumprimento de medidas para não contaminação de cultivos de milhos crioulos por cultivos com sementes geneticamente modificadas. “A ausência do cumprimento das medidas de coexistência tem gerado incontáveis danos ambientais, sociais e econômicos a agricultores que cultivam variedades de milho convencional, tradicional ou crioulo, afetados pela contaminação genética e a consequente perda de suas variedades em razão da expansão do cultivo de OGMs”, sublinham as organizações.

A ADI 3526 ainda questiona, entre outros pontos, a impossibilidade de participação social nos processos de liberação e aprovação de organismos modificados. Vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, a CTNBio tem seus assentos definidos pela pasta. Sem mecanismos permanentes de participação, o envolvimento da sociedade civil é condicionado aos convites feitos pela CTNBio, sem direito à voto.

 

Participação da sociedade civil – Para colaborar na argumentação técnica e jurídica sobre a inconstitucionalidade da Lei, organizações sociais participam do julgamento da ação, na condição de Amici Curiae (amigos da Corte). Foram admitidos pela corte o  Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o Greenpeace, a Terra de Direitos e a Associação Nacional de Pequenos Agricultores. Em defesa da Lei, a Associação Nacional de Biossegurança (Anbio) também foi admitida no processo.

No julgamento a ser iniciado na sexta-feira, os  Ministro Relator Nunes Marques incluirá seu relatório e voto no sistema virtual do Supremo. Na sequência os demais ministros podem acompanhá-lo, apontar divergências, pedir vistas ou mesmo solicitar que o caso seja pautado em sessão por videoconferência. Em caso de eventual pedido de vistas por alguns dos ministros ou ministras, o julgamento deverá ser suspenso.


Assessoria de comunicação Terra de Direitos
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