Os brasileiros anônimos que ganharam o Nobel da Paz
Por João Guilherme Sabino Ometto
Muitas vezes, ao longo de nossas vidas, ouvimos a expressão “A arte imita a vida”. Quem tem o bom hábito dos livros ou do cinema, bem como presta atenção ao que está lendo e assistindo, seja realidade documentada ou ficção, com certeza lembra de várias referências às grandes tragédias da humanidade. Obras do gênero ficção científica, por exemplo, mostram supostos regimes políticos opressores ou situações de violência pública em razão do esfacelamento do Estado, quando eventos catastróficos atingem a humanidade. De repente, porém, cá estamos nós, os quase oito bilhões de habitantes da Terra, enfrentando uma gravíssima pandemia, como se fôssemos personagens de um desses filmes apocalípticos.
A dura realidade presente está expressa no Documento Político Covid-19 e Cobertura Universal de Saúde, divulgado na primeira semana de outubro pela ONU. Em apenas nove meses após os relatos do primeiros casos, a doença já havia causado mais de um milhão de mortes e infectado 30 milhões de pessoas, em 190 países. Ademais, 500 milhões de empregos foram perdidos e pela primeira vez houve regressão global nos indicadores de saúde, renda, educação e condições da vida do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que criou o índice há 30 anos, em 1990.
Em consequência do agravamento da exclusão, a insegurança alimentar está aumentando. Dentro de um ano, quase 270 milhões de pessoas poderão morrer de fome, conforme alertou a presidente do Comitê Norueguês do Nobel, Berit Reiss-Andersen, ao anunciar o Prêmio da Paz em 2020, concedido ao Programa Mundial de Alimentos (WFP) da ONU. O reconhecimento é muito justo. Somente em 2019, foram atendidos 97 milhões de indivíduos. Acredito ser importante frisar que dois terços do trabalho realizam-se em regiões afetadas por conflitos, onde as pessoas têm três vezes mais probabilidade de ficar subnutridas do que aquelas que vivem em países sem guerra.
Ao analisar os dados do organismo multilateral vencedor do Nobel da Paz, foi inevitável lembrar de uma questão relevante: com certeza, boa parte dos alimentos levados pelo WFP às milhões de pessoas necessitadas, em meio às ameaças de cenários bélicos e de regimes opressores, é produzida pelas mulheres e os homens do meio rural de nosso país, incluindo milhares de pequenos e médios produtores, bem como as atividades agropecuárias de maior porte.
Esses brasileiros anônimos, que, desde o início, estão na linha de frente na guerra contra a Covid-19, enfrentando os riscos da pandemia para que milhões de pessoas possam alimentar-se, são ganhadores eméritos do Nobel da Paz concedido ao programa da ONU. Obviamente, não dividirão o polpudo valor em dinheiro recebido pelo WFP. Entretanto, merecem os aplausos de todos nós e do poder público, que poderia expressar seu reconhecimento, por exemplo, não aumentando os impostos do setor, como preveem projetos da reforma tributária em tramitação, reduzindo as taxas de juros dos créditos agrícolas, ainda altas, e ampliando a subvenção ao seguro rural.
O papel do Estado é importante como indutor do desenvolvimento, crescimento econômico, qualidade da vida, inclusão social e fomento de atividades essenciais, como a agropecuária. Também é decisivo para evitar o imaginário político, no presente e no futuro, impedindo que eventos imponderáveis, como a Covid-19, afetem a liberdade e as prerrogativas da cidadania.
Celebremos, pois, a democracia em seu momento mais emblemático, exercendo o direito e o dever do voto nas eleições municipais de novembro. Escolhendo nossos governantes e representantes no Legislativo, somos tão protagonistas da política e do poder público quanto nossos produtores rurais foram no Nobel da Paz em 2020.
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