Em 2020, faz sentido tributar certificados de descarbonização?
Com incentivos adequados nesta fase inicial do CBIO, o Brasil tem tudo para liderar esse novo mercado tão importante para o mundo
Por Jacyr Costa Filho*
A pandemia do coronavírus trouxe ainda mais relevância para a preocupação com o meio ambiente. Por se tratar de uma doença que afeta o aparelho respiratório, é fato que a má qualidade do ar agrava os efeitos da Covid-19. Isto ficou comprovado em recente estudo da Escola de Saúde Pública de Harvard, que, entre outros achados, apontou que o aumento de apenas 1% na concentração de material particulado fino no ar resulta em um incremento de 8% das mortes pela Covid-19.
Neste cenário, cresce a importância do RenovaBio, o maior programa de descarbonização da matriz de transportes do mundo. Com ele, o Brasil oferece uma forma efetiva para diminuir a emissão de gases de efeito estufa e, ao mesmo tempo, o nível de poluição nas nossas metrópoles.
Traduzindo em números, para se alcançar a redução de emissões prevista com o RenovaBio até 2029, teríamos que plantar 5 bilhões de árvores, o equivalente à soma de todas as árvores existentes hoje na Dinamarca, Irlanda, Bélgica, Holanda e Reino Unido. Por tudo isso, o programa tem sido uma referência positiva para a imagem do Brasil no exterior e servido de exemplo para o mundo como solução inteligente para o mercado de carbono, pois reconhece adequadamente a eficiência energética e ambiental dos biocombustíveis. A experiência bem-sucedida do etanol no Brasil e as perspectivas com o RenovaBio já influenciam a China e a Índia, países com metrópoles bastante poluídas, que dependem dos combustíveis limpos para mudarem o cenário perverso de poluição em que vivem seus cidadãos.
No entanto, o projeto que tinha tudo pronto para dar certo, trazendo benefícios para o meio ambiente, para a saúde pública e renda para famílias, empresas e governo, esbarrou em um entrave: o regime de tributação do CBIO (título que representa cada tonelada de carbono evitada na atmosfera), aprovado na Lei 13.986/20, foi vetado pelo governo, a pedido da Receita Federal.
A proposta era tributar os lucros nas operações com o CBIO à alíquota de 15%, igualando-o aos demais títulos presentes no mercado financeiro (ativos financeiros e valores mobiliários); o entendimento da Receita Federal é de que a alíquota deva ser de 34%. A prevalecer esta visão, o Brasil teria uma das maiores tributações para um ativo ambiental no mundo. Eis o paradoxo: enquanto o mundo todo incentiva a redução de emissões com menor tributação, no Brasil, a tributação do CBIO seria mais do que o dobro da aplicada às debentures, por exemplo.
É urgente incentivar este mercado, visto que já está tudo pronto. A B3 (Bolsa de Valores brasileira) está preparada para negociar esse importante ativo desde a última semana de maio. Além disso, cerca de 250 unidades de produção pelo Brasil estão certificadas, sendo que mais da metade prontas para emitir CBIOs. Vale destacar, ainda, que já temos a oferta de 3 milhões de CBIOs, sendo 750 mil já registrados na B3. Lembrando que cada CBIO significa uma tonelada de CO2 evitada, é fácil notar o tamanho do impacto ambiental. Trata-se de um mercado novo, recém-criado, e parte de um programa que incentiva investimentos em tecnologia e geração de renda e empregos para o interior do país.
Em um momento em que o mundo enfrenta duas gravíssimas crises (de saúde pública e econômica), impulsionar a negociação destes títulos baseados em um mercado “limpo”, que atrairá os necessários novos investimentos para desenvolver energias renováveis, deve ser uma prioridade. É uma política moderna e que vai ao encontro dos anseios da população pela redução das emissões e melhoria do ar atmosférico, trazendo benefícios para a saúde pública. Os ganhos de eficiência energética e ambiental estimulados pelo programa serão repassados ao consumidor brasileiro. Este deve ter o direito a um ar menos poluído e, ao mesmo tempo, pagar menos pelo combustível renovável.
Na lógica do século XXI, os governos têm incentivado os mercados vinculados à descarbonização. Acredito que o Brasil deva continuar a caminhar neste mesmo sentido, por meio da não tributação destes títulos, neste início de sua operacionalização, até que se torne expressivo.
Apostar e estimular o desenvolvimento desse segmento levará facilmente o Brasil à liderança do mercado de descarbonização, com relevante movimentação na Bolsa e atração de investidores e de empresas do mundo inteiro que necessitam destes títulos.
(*) Jacyr Costa Filho é membro do Comitê Executivo do Grupo Tereos e presidente do Conselho Superior do Agronegócio (Cosag) da Fiesp
–
CDI Comunicação
(11) 3817-7926 | cdicom.com.br