Pesquisas mostram que a carne produzida nos campos naturais do bioma Pampa tem perfis de gorduras benéficos aos consumidores
A carne de bovinos criados livres no Pampa é mais saudável do ponto de vista nutricional. Além do importante fornecimento de nutrientes como ferro e vitaminas do complexo B, a proteína desses animais apresenta maiores teores de ômega 3, se comparada aos criados em confinamento. As pesquisas que comprovam isso são referenciadas pelo Laboratório de Ciência e Tecnologia de Carne da Embrapa Pecuária Sul, sob liderança da pesquisadora Élen Nalério, e mostram que a carne produzida nos campos naturais do bioma Pampa tem perfis de gorduras benéficos aos consumidores.
“No Pampa, a alimentação dos animais, composta em sua maior parte pela rica variedade dos pastos naturais, dá origem a um produto com perfil de gordura mais saudável, já que possui mais ômega 3 do que ômega 6”, explica a cientista.
Essa razão de ômega 6 por ômega 3 é equilibrada quando está em níveis de até 4:1. No entanto, as dietas das populações ocidentais se caracterizam por terem relações entre ômega 6 e 3 de até 15:1, o que representa potencial risco para desenvolvimento de doenças cardiovasculares, autoimunes e outras doenças inflamatórias. Fato derivado do aumento do consumo de carboidratos pelos humanos, principalmente os cereais.
“O mesmo ocorre na alimentação dos ruminantes. Quando eles são alimentados com dietas baseadas em forragens, nos fornecem carnes com maior teor de ácidos graxos do tipo ômega 3. Paralelo a isso, animais terminados com dietas mais intensivas, com altos teores de grãos, rendem carnes com maior teor de ômega 6. Importante frisar que a dieta do homem, antes do advento da agricultura moderna, era composta de uma relação perfeita entre ômega 6 e ômega 3, de 1:1”, destaca Nalério.
Produtos diferentes – É no campo que quase tudo acontece, com a alimentação do animal cumprindo papel determinante nesse processo. “O sistema de criação e terminação do animal interfere diretamente nas características da carne. Entre um extremo, de produção extensiva, somente com pastagens, até o outro extremo, de confinamento total, com alimentação por grãos, há a formação de produtos totalmente diferentes”, afirma a pesquisadora.
Essa diferença se dá não apenas no tipo de gordura formada. “Os bovinos são animais naturalmente prontos para fazer a digestão de fibras, de pasto. Para fazer a digestão de grãos, eles precisam passar por uma adaptação. Essa variação de alimentação faz com que sejam formadas gorduras totalmente diferentes, e isso interfere também no sabor e no aroma do produto”, ressalta a pesquisadora.
Enquanto a carne produzida nos campos tem uma cor viva e gordura mais amarelada, a de confinamento é mais pálida e possui gordura mais branca. “O pasto tem carotenoides, que conferem a cor amarela à gordura. Já a cor da carne sofre influência de maior ou menor presença das mioglobinas. O animal no pasto caminha mais, e precisa oxigenar a musculatura, o que aumenta o teor de mioglobina e origina a cor vermelha mais intensa na carne”, explica a cientista.
Oportunidade de diferenciação no mercado – A pesquisadora ressalta que não há como afirmar que a carne produzida no Pampa é melhor, uma vez que a avaliação envolve diversos fatores subjetivos. “No entanto, podemos garantir que ela é diferenciada por vários motivos. Um deles é que a alimentação do gado nos campos nativos pode formar um tipo de gordura com melhor qualidade nutricional, que é uma característica que tem despertado grande interesse do público”, conta a cientista. “O perfil lipídico dessa carne é comprovadamente mais saudável. Isso é um diferencial importante que pode e deve ser trabalhado como oportunidade de valorização no mercado”, recomenda.
Conforme a chefe de Transferência de Tecnologia da Embrapa Pecuária Sul, Estefanía Damboriarena, diversas iniciativas de valorização dessa carne por meio da diferenciação com uso de marcas coletivas já estão em andamento. “Temos como exemplo a Alianza del Pastizal, que coloca produtos com sua marca em uma grande rede de supermercados; a Apropampa, que está em fase de negociação para colocar no mercado produtos com uma marca coletiva; além das iniciativas das Associações de Raças, como a Associação Brasileira de Criadores de Hereford e Braford e Associação Brasileira de Criadores de Angus,” conta.
Relação histórica entre a pecuária e o Pampa – Debate intenso na atualidade, a forma de produção animal cada vez mais interfere na decisão do consumidor no momento da compra. Pesquisas já demonstraram que o cliente está disposto a pagar mais por produtos saudáveis, nutritivos e produzidos de forma sustentável, ainda que o sabor provado não seja aquele ao qual está mais acostumado.
“Existe um forte conceito na produção de carne na região do Pampa: o animal é criado livre, a presença da pecuária nesses campos ajudou a preservar o bioma, sua fauna e flora, além de ter constituído a história e a cultura do povo. O bioma é adaptado para a pecuária: aqui se conserva produzindo”, conta a pesquisadora da Embrapa.
Pastagem bem manejada acumula carbono – Associada frequentemente a emissões de gases de efeito estufa (GEE), a pecuária praticada no Pampa tem mostrado uma outra faceta. Pesquisas da Embrapa mostram que há um balanço positivo e sustentável entre o que é emitido de GEE pelos animais e o que de carbono é fixado pelas raízes das plantas. “Nossas pesquisas comprovam que os animais terminados em pastagens naturais bem manejadas, além de emitirem menos metano, estão em um sistema que acumula bastante carbono, prestando assim um importante serviço ecossistêmico”, explica a pesquisadora da Embrapa Cristina Genro.
Durante um ano, os cientistas mediram as emissões de metano em novilhos da raça Hereford submetidos a diferentes níveis de intensificação em pastagens naturais do Pampa. Os animais permaneceram em campo nativo com ajuste de carga para 12% PV (12 quilos de pasto seco para cada 100 quilos de peso vivo animal), com três níveis de intensidade de utilização: campo natural, campo natural fertilizado e campo natural fertilizado e sobressemeado com azevém e trevo-vermelho. Nesse último nível é que foram registradas as menores emissões de metano por animal, 31,6 kg/ano. Já no campo natural fertilizado a emissão foi de 42,8 kg/ano e no campo natural foi de 46,35 kg/ano.
“É importante ressaltar que as estimativas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) são de uma emissão de 56 kg/ano de metano por animal dessa mesma categoria no Brasil. Ou seja, os resultados mostram que a emissão de metano por animal no bioma Pampa é bem inferior à estimada pelo IPCC”, afirma Cristina, coordenadora do Projeto Pecus no bioma Pampa (veja quadro abaixo). Segundo a cientista, se for multiplicada essa diferença por milhões de cabeças de bovinos criadas no Pampa, o montante de metano emitido pelos animais ficaria extremamente menor do que aquele preconizado pelo organismo internacional.
O bioma Pampa é formado basicamente por campos naturais com rica biodiversidade de espécies vegetais e animais. Nesse cenário, há mais de dois séculos vem sendo praticada a pecuária, atividade econômica que utiliza os recursos naturais de forma sustentável, contribuindo para manutenção do ecossistema. Estudos apontam a existência de cerca de 450 espécies de gramíneas e 150 de leguminosas, muitas delas com enorme potencial forrageiro. Pesquisas realizadas na Embrapa Pecuária Sul apontam que a exploração sustentável desse ambiente campestre pode ser uma estratégia muito bem-sucedida para a produção pecuária na região. Para o pesquisador da Embrapa José Pedro Trindade, o manejo do campo nativo é o segredo para o desenvolvimento de uma pecuária rentável, com qualidade e que preserve o meio ambiente. Ou seja, a interação entre o produtor e o meio ambiente é essencial para que a atividade obtenha êxito. “Nós estamos propondo um novo olhar do produtor em relação ao campo nativo. Um reconhecimento da riqueza dos recursos naturais dos campos sul-brasileiros e do seu potencial que possa resultar em processos produtivos duráveis e de qualidade”, ressalta. A conservação dos campos é também responsável por uma série de serviços ambientais. De acordo com o pesquisador da Embrapa Leandro Volk, entre esses serviços, a riqueza de espécies do campo, quando bem manejada, proporciona a conservação e a manutenção de vida do solo. “A diversidade de tipos e formas de raízes das espécies, mesmo as sem valor forrageiro, proporciona maior infiltração e armazenamento de água no solo, entre outros serviços”, finaliza.
Felipe Rosa (MTb 14406/RS)
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