A presença de uma diversidade de abelhas nas flores do morangueiro melhora a produtividade, a qualidade e até aumenta a durabilidade da fruta.

Estudos demonstram que morangos polinizados por diferentes espécies desses insetos são mais pesados (possuem maior massa fresca), apresentam menos deformações, coloração vermelha mais intensa e atingem grades de classificação comercial mais elevadas. Eles também são mais firmes e apresentam maior tempo de prateleira.

Ao reunir essas informações geradas no Brasil e no mundo, a pesquisadora Katia Braga, da Embrapa Meio Ambiente (SP), elaborou um comunicado técnico para explicar a produtores e técnicos agrícolas a importância desses polinizadores e como mantê-los na lavoura. Para favorecer a abundância e a diversidade de abelhas na cultura, ao longo da florada, a cientista recomenda cultivar o morangueiro próximo à vegetação natural, restaurar e diversificar áreas de florestas próximas, além de realizar a limpeza das plantas, tornando suas flores mais visíveis e acessíveis aos polinizadores.

 

Gotejamento para evitar a remoção do pólen – “Para a irrigação da lavoura, deve-se adotar um método que não interfira na atratividade da florada, como o gotejamento, já que a aspersão remove o néctar e o pólen, que são recursos coletados pelas abelhas. Se [a irrigação] for mesmo necessária, deverá ser feita somente após as 14 horas, quando o número de abelhas nas flores começa a diminuir”, recomenda a pesquisadora. Para o controle fitossanitário, a cientista aconselha empregar o manejo integrado de pragas (MIP) e o controle biológico, pois o controle químico pode matar as abelhas, caso dos inseticidas, afetar sua capacidade de voo (como alguns herbicidas), enfraquecer seu sistema imunológico e, ainda, repelir esses insetos.

Braga pesquisou, durante seu doutorado, o efeito de várias espécies de abelhas na cultura do morango. Entre as conclusões da pesquisa, a cientista percebeu que algumas espécies tiveram efeitos complementares nas cultivares analisadas. “Cada uma distribuiu o pólen em diferentes regiões do receptáculo floral (miolo da flor), completando a polinização uma da outra; essa complementação é importante, pois o peso do morango é proporcional ao número de pistilos (estruturas femininas) em que ocorreu a fecundação, processo que depende da polinização”, detalha a pesquisadora. Ela explica que nas regiões não fecundadas ocorre uma deformação, formada de uma a várias cavidades ou depressões no fruto (veja foto ao lado). E quanto maior a flor, maior será a dependência da polinização por abelhas. Por isso, são os morangos grandes que apresentam deformações com maior frequência.

 

Morangos com deformações causadas por regiões da flor que não foram fecundadas – Por outro lado, flores completamente fertilizadas produzem morangos bem formados, com maturação precoce e peso proporcional ao número de pistilos onde a fecundação ocorreu. “Portanto, naturalmente, não há o crescimento da polpa do morango sem que ocorra a fecundação e essa não ocorre sem que haja a polinização”, explica a pesquisadora.

Deformações como indicador de deficiência de polinização

© Katia Braga

Segundo a pesquisadora Katia Braga, o grau de deficiência na polinização por abelhas pode ser estimado pela porcentagem de frutos grandes (primários) deformados. Embora esses frutos sejam utilizados como referência, é importante destacar que a deficiência na polinização também pode afetar o peso dos frutos bem formados. O desenvolvimento desses frutos poderá estar abaixo de seu potencial, ou seja, seu peso poderá ser inferior àquele que poderia alcançar se tivesse sido melhor polinizado. Uma vez diagnosticada a deficiência, pode-se ajustar as práticas culturais e até introduzir colmeias na lavoura ou em seu entorno.

Esse diagnóstico poderá ser realizado no começo da safra, após a segunda semana de colheita, pois os frutos das primeiras colheitas resultam de flores bem do início da floração, quando a lavoura é menos atrativa para as abelhas. Deve-se tomar cuidado para que o diagnóstico não seja realizado quando os frutos de menor porte predominarem na lavoura. “Esses frutos de flores pequenas, mais facilmente polinizadas, em geral não apresentam deficiência na polinização e o diagnóstico poderá não refletir a realidade,” alerta a cientista da Embrapa.

 

Competição com outras plantas – Outra dica importante é não eliminar as plantas espontâneas, mesmo que floresçam na mesma época da cultura, como o Assa-peixe. “Elas complementam a alimentação das abelhas, mantendo-as saudáveis, e em geral não afetam a polinização”, destaca Katia Braga. Contudo, deve-se estar atento ao cultivo de outras plantas cuja florada possa deslocar as abelhas das flores do morangueiro. O nabo forrageiro, por exemplo, muito utilizado como adubo verde, tem uma florada muito atrativa e deve ser manejado antes de seu florescimento.

Meliponicultura ajuda lavoura de morango – Outro ponto destacado pela pesquisadora é a introdução de colmeias de abelhas sem ferrão em estufas. A jataí, uma abelha sem ferrão bastante rústica que pode ser facilmente manejada em ambientes fechados de cultivo, deve ser introduzida na proporção de, no mínimo, uma colmeia para cada 1.350 plantas. No Brasil, além da abelha “africanizada”, diversas abelhas nativas são polinizadoras do morangueiro. Nas lavouras, é comum encontrar abelhas do gênero Dialictus (família Halictidae) e diversas espécies de abelhas sem ferrão: irapuá ou arapuá, jataí-da-terra, jataí, mirim e mombuca. Braga destaca que, mesmo quando presentes nas lavouras de morango, as abelhas africanizadas podem não ser suficientes para um serviço adequado de polinização e a introdução de abelhas sem ferrão pode ser de grande auxílio. Também conhecidas como meliponíneos, elas têm grande capacidade para realizar a polinização comercial por constituírem colônias perenes, serem de fácil criação e manejo e por não oferecerem risco à saúde devido à ausência de um ferrão funcional. Além disso, entre as abelhas sem ferrão, além da jataí, a abelha mirim também pode ser manejada para a polinização do morangueiro em estufas comerciais.

Meliponicultura

A criação de abelhas sem ferrão, conhecida como meliponicultura, é uma atividade reconhecida como geradora de renda pela produção de mel e de outros produtos. Mas como a criação depende diretamente da vegetação como principal fonte de recursos para os insetos, essa atividade também contribui para a conservação da biodiversidade.

Ricardo Camargo, pesquisador da Embrapa Meio Norte (PI), recomenda que a criação de abelhas sem ferrão seja integrada às atividades de restauração ambiental e em sistemas agroecológicos de produção, como os sistemas agroflorestais (SAFs) biodiversos, visando, nesses últimos, um incremento na produtividade dos cultivos pela melhoria no processo de polinização.

De acordo com o pesquisador, partindo da premissa de que os SAFs biodiversos são concebidos para serem sistemas de produção com alta diversidade biológica e produtiva, seu impacto ambiental positivo é muito relevante, porque gera um ambiente mais equilibrado e resiliente com a presença de árvores no sistema.

Esse cenário fornecerá inúmeros benefícios ambientais: alta disponibilidade de matéria orgânica (folhas e galhos); maior conforto térmico aos trabalhadores devido ao sombreamento; abrigo e fonte de alimentos para vários animais, como pássaros, mamíferos e insetos; mitigação dos efeitos da erosão e melhor retenção e absorção de água; recuperação de nascentes, entre outros.

Declínio mundial – A relação das abelhas com a polinização agrícola tem merecido destaque internacional, devido ao declínio mundial na diversidade e abundância desses insetos. “Não é à toa que o assunto foi escolhido para o primeiro relatório de avaliação da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES)”, informa a pesquisadora Katia Braga.

Ela acredita que, por isso, os pesquisadores consideram o conhecimento sobre a criação e a conservação, tanto das abelhas sociais nativas do Brasil quanto das abelhas solitárias, uma demanda fundamental para a manutenção da produtividade nos agroecossistemas, bem como para a conservação da biodiversidade nos ecossistemas naturais, uma vez que muitas plantas cultivadas e nativas dependem desses insetos para sua reprodução.


Cristina Tordin (MTb 28.499/SP)
Embrapa Meio Ambiente
(19) 3311 2611