Áreas com sistemas agroflorestais (SAFs) biodiversos são capazes de contribuir para a conservação das abelhas sem ferrão, conforme resultados obtidos por pesquisadores do Núcleo de Agroecologia da Embrapa Meio Ambiente (SP).

Esses sistemas compostos de vegetação nativa e lavouras comerciais são capazes de manter uma grande diversidade de insetos polinizadores, sendo uma alternativa para aliar a produção à conservação da biodiversidade. Além da preservação dos insetos, a presença desses polinizadores é fundamental para a produtividade das lavouras.

De acordo com Katia Braga, pesquisadora do Núcleo, uma polinização adequada pode aumentar a produção e a qualidade em culturas de frutas, castanhas, oleaginosas e fibras. “Já se sabe que cerca de 75% das 115 culturas consideradas as mais importantes em todo o mundo se beneficiam com rendimentos maiores quando polinizadas por animais. No Brasil, em um estudo recente, foram analisadas 141 culturas e destas, identificou-se 85 como dependentes dos polinizadores. Nesse estudo, a contribuição econômica dos polinizadores totalizou quase 30% (aproximadamente US$12 bilhões) do valor total da produção agrícola anual das culturas dependentes (totalizando quase US$45 bilhões)”.

Além disso, a pesquisadora esclarece que, para certas culturas, os visitantes florais promovem maior qualidade da fruta. “Esse é um benefício indireto e nem sempre fácil de medir, mas extremamente importante para o mercado agrícola”, afirma. Outro aspecto importante ressaltado pela cientista é que os polinizadores estão fortemente relacionados à qualidade nutricional das populações humanas: no sudoeste da Ásia, por exemplo, 50% das plantas que são fonte de vitamina A dependem da polinização por animais.

 

A pesquisa – A pesquisadora conta que os resultados iniciais permitem prever que, com as floradas que ainda acontecerão ao longo do ano, o percentual de espécies arbóreas visitadas pelas abelhas sem ferrão, nos SAFs, deverá aumentar. Para a cientista, as informações levantadas são de grande importância, uma vez que há pouco conhecimento sobre a relação entre essas abelhas e os SAFs.

Das 92 espécies de árvores já identificadas nos quatro SAF’s do Sítio Agroecológico da Embrapa Meio Ambiente, localizado em Jaguariúna (SP), verificou-se que 42 delas (46%) são visitadas por abelhas sem ferrão e, dentre estas, 38% pertencem à família Fabaceae, que apresentou maior riqueza de espécies na área de estudo: 38. Das 28 famílias botânicas registradas até o momento para esses SAFs, as abelhas sem ferrão são visitantes florais em 17 delas (61%).

“Essas abelhas apresentam hábitos generalistas de forrageamento, coletando néctar e pólen em diversas espécies de plantas de famílias variadas, embora explorem com maior intensidade uma gama menor de espécies. Nas florestas tropicais úmidas, essas abelhas, que pertencem à tribo Meliponini (Hymenoptera: Apidae), constituem o grupo de insetos generalistas mais bem-sucedido, com grande abundância e riqueza de espécies”, explica a pesquisadora.

Comparando os SAFs com lavouras em sistemas pouco diversos (monocultivos e consórcios, incluindo a integração Lavoura-Pecuária-Floresta), o pesquisador da Embrapa Ricardo Camargo explica que os SAFs, por propiciarem maior diversidade biológica por área com diversos estratos ocupados por diferentes espécies (ervas, arbustos e árvores), oferecem uma diversidade muito maior de recursos para abrigo e alimentação da fauna, no tempo e no espaço, o que atrai e contribui para manter populações maiores e mais diversas de abelhas. Como a abundância e a diversidade de polinizadores influenciam a produtividade das lavouras, ao manter mais abelhas, os SAFs também contribuem para melhor desempenho das plantações a ele associadas ou daquelas em seu entorno.

Para avaliar o potencial dos SAFs como uma alternativa para conservação da diversidade de abelhas, desde janeiro de 2017, estão sendo monitoradas as espécies de abelhas que visitam as árvores em floração nos SAFs agroecológicos da Embrapa Meio Ambiente. Amostras de pólen dessas árvores são armazenadas para posterior avaliação da dieta das abelhas sem ferrão criadas racionalmente no local. Dados de observações anteriores e do referencial bibliográfico também são utilizados. Como resultado, os pesquisadores irão apresentar, no Congresso Latino-americano de Agroecologia, uma lista preliminar das árvores dos SAFs que são visitadas pelas abelhas sem ferrão, cuja contribuição para a manutenção das colônias ainda será avaliada.

 

© Katia Braga

Solo e árvores para as abelhas – Mesmo considerando que fragmentos florestais possam existir próximos aos sistemas de cultivo, a capacidade de essas áreas abrigarem uma diversidade de abelhas e com isso oferecer um serviço de polinização efetivo, dependerá do seu tamanho e distribuição no espaço e de seu estado de conservação. Os SAFs ao longo do tempo disponibilizam locais para o abrigo de diversas espécies de polinizadores, tanto pela oferta de um solo menos manejado, uma vez que inúmeras espécies de abelhas fazem seus ninhos no solo, quanto pela presença do elemento arbóreo no próprio sistema.

“É preciso considerar ainda”, enfatiza Camargo, “que algumas culturas podem oferecer apenas um tipo de recurso ao seu polinizador principal e apenas em uma determinada época (período de floração), como ocorre, por exemplo, no maracujazeiro com as mamangavas (abelhas solitárias), que coletam apenas néctar (fonte de energia) em suas flores. Assim, a presença de outras espécies vegetais que ofereçam abrigo e outros recursos ao longo do tempo, como o pólen (fonte de proteínas), resinas e óleos, nas proximidades das áreas de cultivo serão fundamentais para garantir a manutenção das populações de mamangavas”.

Isso reforça a necessidade de desenvolver sistemas agrícolas mais integrados e biodiversos, assim como de manter áreas naturais nas proximidades dos sistemas de cultivo, pela importância da diversidade biológica para a produção de alimentos.

Na Floresta da Cantareira, em São Paulo, que é um fragmento da Floresta Tropical Atlântica, as abelhas sem ferrão exploraram 73% das 96 espécies de plantas lá presentes. Essas pequenas abelhas, também conhecidas como meliponíneos, representaram cerca de 70% de todas as abelhas em atividade nas flores das árvores. Todas as 40 espécies de árvores nativas visitadas pelas abelhas sem ferrão nos SAFs da Embrapa Meio Ambiente estão presentes no Bioma Mata Atlântica, reforçando a estreita relação evolutiva e ecológica existente entre elas e as árvores desse bioma. Dessas 43 espécies arbóreas, 58,1% são indicadas para a restauração ecológica no Estado de São Paulo.

Nos últimos anos, os temas abelhas, polinização e a relação desses polinizadores com a agricultura tem merecido destaque internacional e nacional, principalmente devido ao declínio mundial na diversidade e abundância de abelhas. “Não é à toa que o assunto foi escolhido para o primeiro relatório de avaliação da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), informa a pesquisadora.

Por isso, os pesquisadores consideram o conhecimento sobre a criação e a conservação das abelhas sociais nativas do Brasil, as abelhas sem ferrão (ASF), e das abelhas solitárias, uma demanda fundamental para a manutenção da produtividade nos agroecossistemas, bem como para a conservação da biodiversidade nos ecossistemas naturais, uma vez que tanto plantas cultivadas como plantas nativas dependem desses insetos para sua reprodução.

A criação de abelhas sem ferrão, conhecida como meliponicultura, é uma atividade reconhecida como geradora de renda pela produção de mel e de outros produtos das abelhas. Mas, como a criação depende diretamente da vegetação como principal fonte de recursos para as abelhas, essa atividade também contribui para a conservação da biodiversidade.

Os cientistas recomendam que a criação de abelhas sem ferrão seja integrada às atividades de restauração ambiental e em sistemas agroecológicos de produção, como os Sistemas Agroflorestais Biodiversos (SAFs), visando, nesses últimos, um incremento na produtividade dos cultivos pela melhoria no processo de polinização.

De acordo com Camargo, partindo-se da premissa que os SAFs são concebidos para serem sistemas de produção com alta diversidade biológica e produtiva, seu impacto ambiental positivo é muito relevante, pela geração de um ambiente mais equilibrado e resiliente a partir da presença do elemento arbóreo no sistema, que fornecerá inúmeros benefícios ambientais: alta disponibilidade de matéria orgânica (folhas e galhos); maior conforto térmico aos trabalhadores devido ao sombreamento; abrigo e fonte de alimentos para vários animais, como pássaros, mamíferos e insetos; mitigação dos efeitos da erosão e melhor retenção e absorção de água; recuperação de nascentes, dentre outros.

Os autores do estudo são Katia Braga, Maria Aico Watanabe, Ricardo Camargo, Jody Justino dos Santos, da Faculdade Politécnica de Campinas; e João Canuto e Joel Queiroga, pesquisadores da Embrapa Meio Ambiente.

Cientistas discutem a redução das colônias de abelhas – Entre os dias 16 e 18 de outubro, pesquisadores do Brasil e de outros países estarão reunidos em Teresina (PI) para o Simpósio sobre Perdas de Abelhas no Brasil. Entre os temas do evento estarão as causas da Desordem do Colapso das Colônias (DCC), problema que atinge vários países, mas não foi detectado no Brasil; a importância desses insetos para a produção agrícola; as ameaças à sobrevivência das diferentes espécies de abelhas e vários outros temas relacionados.


Texto:  Cristina Tordin (MTb 28.499/SP)
Embrapa Meio Ambiente
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