A descoberta tem potencial de acelerar e subsidiar pesquisas para desenvolver uvas sem sementes, por meio do uso de técnicas de biotecnologia.
Os mecanismos genéticos e celulares que levam à formação ou ausência da semente na uva (apirenia) acabam de ser desvendados pela equipe do Laboratório de Genética Molecular Vegetal da Embrapa Uva e Vinho, em Bento Gonçalves (RS), em conjunto com cientistas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A descoberta tem potencial de acelerar e subsidiar pesquisas para desenvolver uvas sem sementes, por meio do uso de técnicas de biotecnologia.
Apesar da ampla apreciação das uvas de mesa sem sementes, que vem crescendo ano a ano, pouco se sabia sobre os mecanismos celulares e genéticos responsáveis pelo desenvolvimento delas. Os brasileiros identificaram o papel do gene VviAGL11 no desenvolvimento de sementes nas uvas. A descoberta foi registrada em artigo publicado no Journal of Experimental Botany, editado pela Universidade de Oxford, Inglaterra.
O grupo liderado pelo pesquisador da Embrapa Luís Fernando Revers apresentou de forma inequívoca os resultados das pesquisas que desvendaram grande parte da biologia por trás da ausência de sementes de uvas de mesa, mostrando o papel principal do gene VviAGL11. “O artigo é bastante completo e descreve o gene, sua estrutura genética, a regulação de sua expressão e os efeitos de sua função na formação das sementes de videira”, informa Revers, que coordena o Laboratório de Genética Molecular Vegetal, na qual foram desenvolvidas partes importantes da pesquisa.
“Desde que cheguei à Embrapa Uva e Vinho, em 2001, uma das missões às quais fui incumbido foi ajudar a desvendar como funciona a ausência de sementes. Fico feliz em escrever essa parte importante da história”, comemora Revers. O resultado apresentado nesse artigo engloba o conhecimento agregado ao longo desses 16 anos, com a participação de analistas, bolsistas de iniciação científica, mestrandos e doutorandos trabalhando em equipe.
Segundo Jaiana Malabarba, uma das autoras do estudo, cuja tese de doutorado foi a base do artigo, o objetivo era compreender o papel do gene VviAGL11 durante a formação da semente. Para isso, o gene foi estudado nas cultivares Chardonnay (com semente) e Sultanina (sem semente), utilizando sequenciamento alelo-específico, hibridização in situ, análise de expressão por RT-qPCR e complementação de fenótipo na planta modelo Arabidopsis thaliana.
“Com isso, identificamos que os níveis de transcritos de VviAGL11 aumentaram significativamente na segunda e na quarta semanas após a floração em sementes de ‘Chardonnay’, especificamente na camada dupla do integumento médio da semente, sendo essa camada responsável por formar a casca das sementes, o que sugeriu a relação desse gene com a formação das sementes”, informa Jaiana. Ela complementa que na cultivar ‘Sultanina’ o gene não é expresso durante o desenvolvimento do fruto e da semente, o que resultaria na ausência de semente nessa cultivar, hipótese que foi comprovada. “Fica claro que quando o gene está funcionando corretamente essa camada se desenvolve e tem papel decisivo na formação de uma semente normal, caso contrário a semente não consegue crescer e fica apenas como um traço, encontrado nas uvas apirênicas”, detalha Jaiana.
Após a publicação do artigo no Journal of Experimental Botany, a equipe tem recebido contatos de laboratórios de diferentes países, principalmente da China. “Tinha a expectativa de que a repercussão do artigo fosse boa, mas estou surpreendido como grupos de pesquisa de outros países também estavam em busca dessas respostas e agora nossos achados estão auxiliando outros cientistas”, comenta Revers.
Segundo ele, o trabalho representa um avanço para auxiliar os programas de melhoramento genético no planejamento de cruzamentos e na seleção de uvas apirênicas. “A aplicação do conhecimento a longo prazo tem potencial de ajudar o desenvolvimento de novas cultivares, facilitando o trabalho e reduzindo o tempo. “A expectativa é de transformar esse conhecimento em uma ferramenta de modo a que, antes mesmo de produzir a fruta, com testes de DNA, pode-se saber se a uva irá ter sementes ou não”, disse o pesquisador. A equipe continua trabalhando e o próximo desafio é avaliar a utilização desse gene em videiras adultas. “Com isso, a intenção é modificar o tamanho das sementes, tornando-as menores, por exemplo, por meio do silenciamento do gene VviAGL11”, antecipa.
O chefe-geral da Embrapa Uva e Vinho, Mauro Zanus, relembra que faz quase 20 anos que a Embrapa Uva e Vinho passou a desenvolver novas variedades de uva sem semente, empregando técnicas de resgate de embriões e do melhoramento clássico de plantas. “Agora, com estes estudos que identificam os genes responsáveis pelo caráter sem semente, avançamos na base científica que regula essa importante tecnologia, abrindo as portas para aperfeiçoarmos o melhoramento genético da videira, reduzindo seus custos e acelerando o desenvolvimento de novas variedades”, avalia.
Desafios – Segundo Revers, na última década o gene vinha sendo apontado como o possível responsável pelo desenvolvimento das sementes, mas ninguém conseguiu reunir provas para fazer esta afirmação. O pesquisador relata que a maior parte das características agronômicas de interesse, como a presença ou ausência de sementes ou a resistência a doenças, possui a influência de um número muito grande de gens, às vezes dezenas, o que torna o assunto tão complexo, podendo ser comparado ao provérbio de “procurar uma agulha num palheiro. “O maior mérito da nossa equipe foi estabelecer e propor estratégias de investigação para reunir evidências. Também contamos com uma feliz coincidência da natureza: a presença de um marcador microssatélite posicionado em cima do gene, o que ajudou na sua descoberta”, comenta.
A equipe da Embrapa Uva e Vinho contou com a parceria de importantes instituições de pesquisa, dentre elas a UFRGS e a Unicamp, fundamentais na condução de estudos anatômicos e morfológicos para documentar as variações que acontecem com a presença ou ausência do gene VvAGL11.
O professor Marcelo Carnier Dornelas, coordenador-geral de Pós-Graduação do Instituto de Biologia da Unicamp, ajudou a demonstrar e registrar como o gene se expressava durante o desenvolvimento da semente. Já a participação do professor da UFRGS Jorge Ernesto de Araújo Mariath foi decisiva para o registro fotográfico do desenvolvimento da semente e sua interpretação, etapas fundamentais para ajudar a registrar claramente as diferenças entre o desenvolvimento normal da semente e a formação do fruto apirênico.
Mariath acredita que essa descoberta abre “uma janela do conhecimento sobre a regulação gênica em trabalhos de estrutura & função”, extremamente atuais para a comunidade internacional. “Isso garantiu uma nova posição internacional do Brasil. O trabalho desenvolvido foi magnífico e só possível graças ao trabalho integrado que reuniu especialistas de diferentes instituições e áreas de conhecimentos complementares”, avaliou.
A comprovação molecular, genética e fisiológica da ação do Gene VvAGL11 no desenvolvimento da semente, para o professor Giancarlo Pasquali, da UFRGS, foi uma descoberta muito relevante. “Essa ferramenta será muito importante para manipular e gerar videiras sem sementes ou mesmo reverter o processo e gerar plantas com sementes, e pode ser aplicado não somente a videiras, mas em outras plantas”, comentou.
Texto: Viviane Zanella (MTb 14004/RS)
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