O desafio de superar barreiras

Por Alysson Paolinelli

 

Alysson Paolinelli, ex-ministro da Agricultura, presidente executivo da Abramilho (Associação Brasileira dos Produtores de Milho) e membro do Maizall (International Maize Alliance).

Há um evidente contrassenso entre a preocupação da FAO (Food and Agricultural Organization), órgão das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, e a prática de vários países membros da própria ONU no que se refere à produção de alimentos no futuro.

Enquanto a FAO se baseia em estudos e projeções demográficas para solicitar esforços de produtores no sentido de elevar progressivamente o volume da safra anual, como forma de evitar o desabastecimento e suas consequências, governantes de algumas nações se utilizam de retórica injustificada para impedir a entrada de grãos e proteínas em seus territórios.

É o caso, por exemplo, das barreiras impostas aos alimentos transgênicos, por meio de argumentos inconsistentes que lhe atribuem malefícios jamais comprovados pela ciência ou sequer pelo empirismo. O problema é que atitudes como essa por vezes transformam meras deduções pessoais em axiomas, mesmo seguindo na contramão dos avanços tecnológicos, principalmente da biotecnologia, e afetando o progresso de uma boa estratégia para alcançar as metas da FAO.

Diante dessa constatação, é preciso reagir, por uma questão de justiça.

O Maizall está fazendo sua parte. A organização, que reúne entidades representativas dos produtores de milho da Argentina, Estados Unidos e Brasil (sendo o nosso país representado pela Associação Brasileira dos Produtores de Milho, Abramilho) e é responsável por mais de 50% de milho colhido no mundo, continua trabalhando e apresentando sugestões propositivas às mais elevadas autoridades mundiais em relacionamento político, comercial e humano.

No segundo semestre de 2014, por exemplo, como integrante da diretoria do Maizall e acompanhado de produtores e líderes setoriais, estivemos em Roma (Itália) e Genebra (Suíça) em reuniões com dirigentes da FAO, da Organização Mundial do Comércio (OMC) e da União Europeia, oportunidades em que apresentamos as nossas reivindicações e projetos em consonância com os objetivos de garantir a segurança alimentar e a liberdade comercial entre os países.

O que nos une é a preocupação com o abastecimento do futuro, levando em conta as barreiras ideológicas que estão sendo criadas na atualidade. Não faz o menor sentido países europeus se utilizarem de argumentos sem base científica para impedir a entrada de produtos transgênicos.

A biotecnologia é um dos recursos de que dispomos para aumentar a produtividade das lavouras e prover a demanda de 9 bilhões de pessoas projetadas pela ONU para o nosso planeta em 2050, sem aumentar exponencialmente a exploração das terras, até mesmo porque as áreas agriculturáveis e os recursos naturais, como a água, estão cada vez mais escassos, com exceção ainda de alguns países.

O próprio Brasil é um exemplo de sucesso. Há cerca de dez anos a nossa safra de milho variava de tal modo que ora éramos exportadores, ora a produção era insuficiente para abastecer o mercado local, então tínhamos de importar.

Graças ao trabalho intensivo que resultou em avanços em técnicas de manejo e assistência técnica, a produtividade cresceu ao ponto de alcançarmos excedente de 25 milhões de toneladas anualmente. Essa expansão ocorreu a partir de quando nosso país começou a utilizar a transgenia. Isso é fato.

Agora as barreiras impostas por alguns países preocupam porque têm conotações ideológicas e interesses comerciais. Elas variam para mais ou para menos na proporção das circunstâncias. Os casos de reclamação mais recentes estão ligados ao excesso de oferta, fruto de uma supersafra mundial, que reduziu significativamente os preços.

Mas, como sabemos, essa é uma situação excepcional. No contexto de longo prazo, o cenário delineado pela própria FAO é de aumento de demanda. O atraso nesse processo pode ser fatal no cronograma que acompanha a expansão demográfica.

Por isso fomos à ONU e à OMC, atendendo a convites. A pauta esteve centrada em segurança alimentar e biotecnologia, não no marketing do milho, pois acima dos interesses comerciais ou institucionais estão as necessidades “pragmáticas” que exigem ações.

Os trabalhos continuarão. Novos encontros com líderes e autoridades fazem parte do cronograma de atividades do Maizall para os próximos meses. O importante é que a segurança alimentar entrou na pauta de discussões amplas, tendo como princípio a realidade observada pela FAO, que revelou que “a produção global de alimentos precisa aumentar 60 por cento até o ano 2050”.