A sucessão é a continuidade na história de um negócio. Uma transição bem realizada é a certeza que a propriedade rural continuará em poder da família e propiciando rendimentos também para o proprietário

Francisco Vila, diretor da Sociedade Rural Brasileira (SRB), especialista em sucessão familiar.

Aposentadoria é uma condição indesejada para a maioria dos empreendedores. O apego ao negócio, a experiência acumulada em décadas de trabalho e a vontade de fazer sempre mais são estímulos para o fundador da empresa encarar a luta diária, independentemente da idade. Mas o ciclo da vida impõe limitações físicas que crescem na proporção do envelhecimento, principalmente para tarefas mais árduas do campo.

“Um agronegócio competitivo requer modernização contínua. A partir de 65 anos um produtor dificilmente apresentará flexibilidade mental e de comportamento suficiente para acompanhar o processo”, revela Francisco Vila, diretor da Sociedade Rural Brasileira (SRB), consultor internacional e especialista em sucessão familiar.

Depois de aceitar o afastamento – que pode ser total ou parcial –, o proprietário enfrenta um dos maiores desafios no final da carreira: preparar um sucessor ou sucessora que continue o trabalho com o mesmo êxito.

Segundo Francisco Vila, alguns erros são cometidos nesse processo. Um deles é a resistência em tratar do assunto. A tendência é ir adiando até o limite, que pode ser tarde para atingir a eficiência desejada. “Quanto mais cedo e de forma melhor o atual dono coloca essa questão em seu radar estratégico, maior a chance de encontrar uma solução viável”, esclarece.

A ocasião de abordar o tema também é importante. “As pessoas (pai, mãe ou filhos) costumam tocar no assunto de forma indelicada (com estresse) e na hora menos adequada, como em festas de família, Natal e enterro”, adverte.

Francisco Vila aponta ainda que outro erro crucial é transferir a gestão, porém sem definir com clareza as responsabilidades e competências para o jovem: “Normalmente os pais permanecem com a propriedade legal (o que é compreensível) e exercem pressões psicológicas sobre o sucessor que (ainda) não é proprietário”.

Da mesma forma, é preciso definir papel, direitos e obrigações dos outros herdeiros que não estão envolvidos na gestão da propriedade. “A indefinição cria conflitos que impactam negativamente na condução do negócio. Enquanto os pais são donos, o sucessor (na existência de outros herdeiros) é apenas sócio”, ensina.

Por fim, ele fala de uma conduta usual e errada: tratar a sucessão como herança. Por esse raciocínio, o bem e a administração deverão ser assumidos pelos herdeiros somente após a morte do proprietário. Contudo, sem a preparação ou definição do gestor, pode ocorrer interesse mútuo em assumir a administração ou o contrário: nenhum deles se interessar em tocar o negócio. Em ambos os casos surgirão desavenças que culminarão com a venda da terra, frequentemente desvalorizada.

O especialista lembra que o direito familiar reserva prerrogativas naturais para os filhos independentemente da vontade do testamentário. Mas, se esse conjunto de normas garante o acesso dos herdeiros à sua parte na propriedade, pode também provocar a redução da base física da produção devido à divisão da terra, tornando todos pequenos proprietários.

Francisco Vila recomenda trabalhar a sucessão sob três pontos de vista: empresarial, patrimonial e familiar: “A ótica empresarial exige colocar o gestor mais competente à frente do negócio. Pode ser filho, outro familiar ou profissional contratado. Qualquer outro critério enfraquece o negócio que se encontra em constante modernização para manter lucratividade e competitividade.” Ele acrescenta que um negócio mal gerido reduz o potencial de investimento em expansão e modernização e coloca em perigo a capacidade de oferecer o sustento para a família.

“A ótica patrimonial enxerga o negócio como valor imobiliário. No entanto, enquanto não se vende a fazenda, esse valor é apenas contábil. Se existem futuros herdeiros com outras atividades, eles podem perfeitamente querer vender a fazenda para investir sua parte em seu negócio ou em outras aplicações com maior rendimento. A pecuária tradicional não rende mais que 2% a 3% ao ano, ou seja, a metade da caderneta da poupança.”

Quanto à ótica familiar, Vila diz que segue os critérios da justiça maternal. “Em função desse pensamento, no passado a fazenda ficou com o filho com menos habilidade para desenvolver a vida profissional em outras atividades. Pode ser justo agir com essa motivação. Mas a falta de profissionalismo prejudica o potencial de perpetuar, inclusive, a fonte de renda para os pais, que deve ser considerada curva crescente de despesas com saúde nessa chamada quarta idade”.

 

Segundo Francisco Vila, os jovens com treinamento profissional tentam mostrar sua capacidade ao impor novas soluções que aprenderam fora da realidade concreta da propriedade. Com isso, assustam os pais e criam insegurança e desmotivação entre os funcionários, que “sempre fizeram assim, e dizem “aquilo sempre deu certo”.

Ele destaca que muitas vezes os jovens não negociam bem o contrato da sua atividade (tarefas, competências, remuneração) para não estressar o pai: “Assim, ficam entre as duas frentes: entre o pai e os funcionários, que procuram permanecer do lado do mais forte”.

 

O roteiro do conhecimento

Dicas de Francisco Vila para realizar uma sucessão eficiente da propriedade rural

  • Um processo bem organizado começa por levar os filhos desde cedo e com regularidade à fazenda e delegar pequenas tarefas que todos os jovens gostam de realizar.
  • Deixe de reclamar (com ou sem razão) na presença dos filhos. Afinal, se o negócio é tão ruim, por que eles teriam de apostar nele?
  • Incentive visitas às feiras, outras fazendas no Brasil e, se for possível, estadas em fazendas no exterior; estimule a participação em associações e eventos.
  • Desse modo, os futuros sucessores/herdeiros terão uma ideia mais concreta dos desafios (e oportunidades) da agropecuária do futuro e sobre a atratividade do seu negócio.

 

Governança e meritocracia

O consultor Domingos Ricca recomenda um processo sucessório sob regras do mercado, pelo qual o sucessor conquista promoções na medida dos seus merecimentos

Domingos Ricca, sócio-diretor da Ricca & Associados.

Não existe idade ideal para iniciar uma sucessão; o fundamental é que o jovem esteja disposto a assumir os negócios da família. Também não há prazo definido para o treinamento do futuro gestor; serão necessários muitos anos de entendimento do negócio e, depois, toda uma preparação para assumir um cargo de gestão.

Os ensinamentos são de Domingos Ricca, professor de graduação e pós-graduação, sócio-diretor da Ricca & Associados e consultor especializado em empresas familiares: “O sucessor deverá, em primeiro lugar, aprender sobre o negócio e suas particularidades: informações macro acerca do mercado onde a empresa ou propriedade rural estão inseridas, principais clientes, fornecedores, concorrentes e produtos e/ou serviços; situação financeira e forma de rentabilizar os sócios, localização de propriedades, entre outros aspectos”.

Para evitar perda de tempo e de investimentos, o consultor recomenda que o processo seja iniciado somente se houver interesse do sucessor. E que sejam estabelecidas regras claras. “O herdeiro será alocado para atuar como colaborador (com os mesmos direitos e obrigações que os demais funcionários), e deverá ter avaliações de desempenho periódicas, de forma a validar sua aptidão para os negócios”, diz.

Assim, o jovem avança com base em seus méritos. Conforme a qualificação aumente e os resultados ocorram, ele estará apto a ser promovido, até chegar à direção. “Este passo de vivência na empresa permite que o sucessor possa angariar o respeito dos colaboradores, que muitas vezes o viram crescer passo a passo”, reforça Ricca.

Ao relacionar os erros mais comuns na preparação do sucessor, o especialista em empresas familiares diz que é comum os filhos do dono não terem horário para entrar ou sair e possuírem regalias que os demais colaboradores não têm. “Não se pode estabelecer qualquer exceção. Os colaboradores não vão respeitar o herdeiro, nem em relação às suas responsabilidades na empresa, nem como sucessores, caso assumam a gestão”, adverte.

Nesse caso, a governança corporativa é um meio de profissionalizar o processo sem perder o vínculo familiar e ainda evitar conflitos entre parentes. “Governança corporativa é um sistema de regras de natureza procedimental, de cunho ético e moral, cuja finalidade é aumentar o valor da sociedade, facilitar o acesso ao capital e contribuir para a sua continuidade empresarial”, descreve o consultor.

Portanto, para manter a continuidade dos negócios de família é necessário determinar regras de conduta corporativa, além de promover a formação de sucessores que tenham o perfil do cargo a ser assumido, bem como vínculos com a cultura organizacional. Este é o caminho para a perpetuação da empresa familiar e do sonho do fundador. A adoção destas regras diminui o conflito entre parentes e as brigas pelo poder.

Ricca entende que a gestão pode ser profissionalizada e ficar sob responsabilidade de alguém que não seja herdeiro, porém apenas temporariamente. “O melhor sucessor é sempre o membro da família, pois ele possui valores familiares similares aos do fundador, que embasaram a cultura organizacional. O membro da família entende o contorno cultural e tem interesses, pois é herdeiro. A empresa pode não ser dele na atualidade, mas no futuro próximo os negócios serão também seus, e ele deverá zelar pela rentabilidade e sobrevivência da organização para as próximas gerações”, adverte.