Integração de culturas diversifica e aumenta renda do produtor. Intensificação do uso da terra por meio de boas práticas agrícolas é o motor da engrenagem que faz a fazenda produzir de tudo o ano todo, de maneira amigável com o meio ambiente

A obrigação de fazer cada vez mais com menos capital, insumos, mão de obra, terra e água, protegendo o patrimônio ambiental e simultaneamente maximizando o resultado econômico, está posta para o agronegócio brasileiro.

E uma revolução – não tão silenciosa assim – vem ganhando espaço no campo como sistema de produção que, ao intensificar o uso da terra, diversifica as fontes de receita do produtor rural, reduz a utilização dos mais variados recursos e ainda tem a capacidade de recuperar áreas que estão degradadas.

Milagre? Não. É inovação tecnológica aplicada com êxito na prática e que, neste caso, atende pelo nome de Integração-Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF). Trata-se de uma técnica conservacionista que vem aumentando a produtividade e a renda agropecuária – já que a fazenda passa a produzir durante o ano inteiro, nunca ficando ociosa –, com menor impacto no meio ambiente, além de tornar novamente férteis solos deteriorados.

Ao mesclar lavouras, pastagens e florestas plantadas – não todas as atividades necessariamente, mas no mínimo duas – de modo consorciado, em sucessão ou rotacionado, a ILPF melhora o aproveitamento dos recursos empregados na produção e amplia a viabilidade de geração de riqueza de modo mais amigável com a natureza.

“O sistema intensifica o uso da terra tornando o solo mais fértil e quebra o ciclo de pragas e doenças comuns em determinados cultivos, além de diversificar a produção, aumentando assim a renda do produtor”, afirma o pesquisador de Gado de Corte da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias) André Dominghetti.

Hoje existem aproximadamente entre dois e três milhões de hectares sendo trabalhados com ILPF. O objetivo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) é dobrar este número rapidamente por meio do Programa de Agricultura de Baixo Carbono.

Estima-se que cerca de 100 milhões de hectares de pastagens no país estão degradados ou em fase de deterioração, e podem ser recuperados pela ILPF, voltando a ser produtivos. Segundo a Embrapa, a expectativa é de que até 2020 cerca de 10 milhões de hectares estejam incorporados aos sistemas de produção de ILPF.

 

Paulo Herrmann, presidente da John Deere no Brasil e da Rede de Fomento em Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF).

Opção lucratividade – Somente na modalidade pecuária-floresta, a integração de atividades pode render ao produtor rural até R$ 1,4 mil por hectare ao ano. A afirmação é do instrutor do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural de MS (Senar/MS) Ramiro Juliano da Silva. Segundo ele, a vantagem do sistema silvipastoril na propriedade rural não está ligada só à rentabilidade: “Em uma área de no mínimo cinco hectares já é possível fazer essa integração. A junção pecuária-floresta é a mais viável economicamente”.

Para a consultora técnica da Federação da Agricultura e Pecuária de MS (Famasul) Daniele Coelho, “quando você integra é possível minimizar riscos econômicos e ambientais”.

De acordo com Paulo Herrmann, presidente da John Deere no Brasil e da Rede de Fomento em Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF), o cálculo exato da eficiência econômica do sistema ainda está sendo levantado com precisão. Entretanto, diz o executivo, é possível afirmar que a ILPF gera um incremento de receita por hectare entre a 30% e 50% sobre o sistema convencional de produção.

Ronaldo Trecenti, engenheiro agrônomo, especialista em plantio direto (veja box “Vantagens do plantio direto”) e ILPF, da Campo Consultoria e Agronegócio, assinala que o sistema de integração proporciona ganhos no curto prazo advindos das produções das lavouras anuais (soja, milho, sorgo, feijão) cultivadas nas entrelinhas da floresta, geralmente até o 3º/5º ciclo, quando a floresta começa a sombrear a área.

Em seguida, com o estabelecimento da pastagem, os ganhos no médio prazo passam a vir da pecuária – seja de corte ou de leite – e, no longo prazo, o resultado financeiro surge também da colheita e comercialização da produção florestal, explica o especialista.

“Na prática, as receitas das lavouras e da pecuária pagam os custos de implantação do sistema, então em seguida há uma receita líquida da floresta, o que chamamos de ‘poupança verde’”.

 

Luiz Carlos Balbino, chefe adjunto de Transferência
de Tecnologia da Embrapa Cerrados.

Meio ambiente amigo – Ao lado dos ganhos econômicos para o produtor rural, a ILPF oferece também um pacote de benefícios ambientais que fortalecem a sua natureza sustentável, bem como ainda contribuem para a redução de gastos no campo, numa espiral de efeitos positivos para fora da porteira, ou seja, com resultados para toda a sociedade.

Em primeiro lugar, segundo os especialistas consultados nesta reportagem, ao intensificar o uso da terra (fazendo mais com menos) a ILPF reduz a pressão pela abertura de novas áreas.

Vale lembrar que o sistema de integração está no rol das tecnologias que compõem os compromissos voluntários assumidos pelo Brasil na Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 15), realizada em Copenhague (Dinamarca) em 2009.

Normalmente, quem adota a ILPF já pratica o plantio direto, carregando assim todos os benefícios ao meio ambiente oferecidos pela técnica, caracterizada por dispensar o revolvimento da terra, permitindo uma nova semeadura por cima da palha da cultura anterior.

Com base nesta particularidade, o plantio direto aumenta o volume de matéria orgânica no solo, melhorando os atributos físicos, químicos e biológicos da terra e contribuindo diretamente para reduzir a emissão de gases de efeito estufa, menor risco de erosão, diminuição no uso de agroquímicos, água, maquinário e consequentemente de combustível etc.

Segundo Ladislau Skorupa, chefe adjunto de Transferência de Tecnologia da Embrapa Meio Ambiente, a ILPF pode trazer ainda grandes contribuições em termos de manutenção e reconstituição da cobertura florestal, o que potencializa o sequestro de carbono do plantio direto.

Mas não é só na agricultura que a ILPF traz resultados ambientais positivos. No caso da pecuária, com a diminuição no tempo de abate – já que o rebanho engorda mais rápido, em razão do manejo mais adequado e do pasto de melhor qualidade – ocorre também a redução na emissão de gases, especialmente o metano, pelo trato digestivo do boi.

Por se tratar de um sistema que reúne diferentes culturas, Dominghetti reforça a importância de o produtor fazer uma análise minuciosa antes de implantá-lo: “É preciso entender detalhadamente como funciona a integração e ter em mãos informações precisas sobre as tecnologias indicadas para a eficácia do sistema”.

Para Trecenti, o primeiro passo é buscar informações, visitando propriedades que já trabalham com ILPF, de preferência da região e/ou com condições semelhantes às do interessado. “É fundamental também procurar orientação e assistência técnica profissional” – opinião corroborada por Herrmann. “Recomendo visitar uma fazenda que já adota o sistema, bem como discutir o tema com agentes de extensão rural locais, além de procurar a Embrapa Cerrados para colher mais informações”, acrescenta o presidente da John Deere.

Já o chefe adjunto de Transferência de Tecnologia da Embrapa Cerrados, Luiz Carlos Balbino, considera importante, ainda, o produtor participar de palestras, reuniões, seminários, encontros e workshops sobre a ILPF a fim de obter o máximo de conteúdo sobre o sistema: “Se ele é pecuarista, terá de investir em maquinário agrícola, por exemplo. Se ele for agricultor, terá que investir em processos relacionados à pecuária”.

 

Vantagens do plantio direto

Ronaldo Trecenti, engenheiro agrônomo, especialista em plantio direto e ILPF, da Campo Consultoria e Agronegócio.

Hoje o Brasil cultiva aproximadamente 31 milhões de hectares com plantio direto, segundo dados da Federação Brasileira de Plantio Direto na Palha (Febrapdp). Para ilustrar o avanço desta prática conservacionista, a área de plantio de grãos da safra 2014/15 chegou a 56 milhões de hectares, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

Conforme projeções do Ministério da Agricultura, a ampliação da área para 33 milhões de hectares permitirá a redução da emissão de 16 a 20 milhões de toneladas de CO2 equivalentes nos próximos anos.

Trecenti [Campo Consultoria] explica que de cinco a sete anos após a implantação da técnica na fazenda a produtividade pode alcançar até 20% de aumento em relação ao método convencional.

Maurício Carvalho, chefe da Divisão de Agricultura Conservacionista do Mapa, diz ainda que, quando o plantio direto é adotado no cultivo de leguminosas, como a soja, aparece outra vantagem, já que as raízes da planta adquirem dupla função: retiram nitrogênio da atmosfera, tornando o nutriente disponível no solo, e também retêm CO2.