Açúcar, etanol e bioeletricidade: a importância de não perder oportunidades

Por Plinio M. Nastari

 

Plinio M. Nastari, presidente da DATAGRO.

A cana-de-açúcar é a segunda maior cultura em Valor da Produção Agrícola, respondendo por uma geração de valor estimada pelo IBGE em R$ 40,5 bilhões em 2013, atrás somente da soja, com R$ 50,5 bilhões, e bem acima do valor gerado pelo milho, de R$ 26,8 bilhões. Considerando a transformação da cana-de-açúcar em produtos finais – açúcar, etanol e bioeletricidade –, este valor supera R$ 68 bilhões, o que eleva a cadeia da cana à mais importante posição do setor agroindustrial brasileiro. Este valor movimenta uma extensa cadeia a jusante e a montante, com impactos significativos em setores relacionados ao suprimento de insumos diversos, máquinas e implementos, e no comércio e indústria dos inúmeros polos de desenvolvimento localizados em vários Estados.

Nos últimos quarenta anos a expansão observada no setor da cana esteve relacionada à decisão estratégica de promover um intenso processo de diversificação na direção do etanol, que mais recentemente tem sido complementado com a bioeletricidade. Esta diversificação trouxe a vantagem da flexibilidade industrial, a possibilidade de arbitrar preços em mercados não exatamente conectados – açúcar e energia –, e cumpriu com grande sucesso o objetivo nacional a que se propôs quando foi constituído o Proálcool, em 1975, de promover o desenvolvimento econômico descentralizado, diminuindo as disparidades regionais de renda.

No decorrer desta trajetória houve boas surpresas como a descoberta da grande vantagem ambiental do uso do etanol em relação à gasolina, e de que a vinhaça, antes um vilão ambiental, era na verdade um valioso subproduto capaz de devolver os nutrientes retirados do solo e promover o aumento da carga de matéria orgânica no solo, operando como um verdadeiro ralo de carbono.

Hoje este setor passa pela pior crise de sua história, e sem um plano de recuperação continuará ocorrendo o fechamento irrecuperável de empresas, encerramento de atividades de plantio, de usinas e de fornecedores, e perda relevante de empregos. Serão afetados negativamente o comércio e a indústria de pequeno e médio porte em vários polos regionais no interior.

O crescimento da economia e o ambiente externo para esse setor fazem com que as circunstâncias que levaram à decisão estratégica de utilizá-lo como instrumento para amenizar a dependência externa por energia, ao mesmo tempo que se procurava promover o desenvolvimento, se repitam. Em 1975 a importação de petróleo e derivados era de US$ 3,5 bilhões. Em 2013 este dispêndio foi de US$ 13 bilhões.

De outro lado, tem sido muito expressiva a contribuição do etanol para a redução das importações de gasolina. Em termos acumulados, de 1975 a dezembro de 2013, o uso do etanol como combustível permitiu a substituição de mais de 2,3 bilhões de barris de gasolina, um volume muito expressivo para um país que possui reservas comprovadas de petróleo de 14,72 bilhões de barris, segundo o Balanço Energético Nacional (dado de 2013). O valor da gasolina importada substituída pelo etanol avaliado ao preço do mercado internacional, corrigido para moeda de dezembro de 2013, é de US$ 292,55 bilhões.

A crise do setor advém da redução da rentabilidade causada por fatores controláveis e incontroláveis. Não se controla o clima adverso, e não são superados rapidamente os impactos e desafios advindos da mecanização da colheita e do plantio. Mas está sob o controle da sociedade, neste caso pelo governo, a decisão de subsidiar a gasolina, de reduzir a zero o tributo sobre ela incidente (Cide) e de não aproveitar o enorme potencial representado pela cogeração, que complementa a geração hidroelétrica com enormes vantagens.

A mecanização da colheita trouxe novos desafios, mas também a possibilidade de aproveitar um volume enorme de energia que antes era desperdiçado. Os desafios estão relacionados à necessidade de treinamento de um contingente relevante de mão de obra, ao aumento das impurezas vegetais e minerais presentes na cana entregue nas usinas, as maiores perdas de colheita, a redução da longevidade dos canaviais, o maior consumo de diesel em operações agrícolas, maiores dispêndios com manutenção de maquinário, maior desgaste e manutenção industrial, maiores perdas na fibra e necessidade de sistematização de solos, com aumento do investimento em fundação de lavouras.

O lado bom é que se pode aumentar a oferta de bioeletricidade, que é gerada no período de seca, e por esse motivo permite a elevação da base do sistema hidroelétrico sem novos investimentos. A bioeletricidade economiza água que poderia ser retida nos reservatórios no período de seca, além de requerer menores investimentos e trazer menores perdas de transmissão do que outras opções, como a geração hídrica na região Norte para abastecer o Sudeste. Nos meses em que é gerada, que são os mais críticos em termos de oferta, é considerada praticamente energia firme complementar a outras fontes similares.

Quando o país gasta divisas geradas com o esforço de exportação de produtos que embutem um alto contingente de bens naturais (água contida nas exportações de produtos primários) para a importação de derivados de petróleo que não circulam mais no sistema econômico, ou sofre o risco de racionamento de energia por falta de água nos reservatórios das hidroelétricas, vemos como uma enorme perda de oportunidade para o não reconhecimento do papel que o setor pode ter no desenvolvimento e no meio ambiente. Ao contrário, medidas têm sido adotadas para desestimulá-lo e desestruturá-lo.

 

Algumas medidas urgentes que poderiam controlar esta crise seriam:

  1. A recuperação do valor da Cide sobre a gasolina para o nível anterior de R$ 0,28 por litro, utilizando estes recursos prioritariamente para o transporte coletivo (ônibus e metrô), a recuperação da malha rodoviária e o passe livre estudantil. Há ambiente político para essa medida hoje.
  2. A criação de um mecanismo de reajuste no preço da gasolina que seja previsível e transparente, para que o preço reflita o seu valor no mercado internacional, com atualização no mínimo trimestral. Vai ajudar também a resolver a desvalorização da Petrobrás, contribuindo para a sua geração de caixa e cumprimento do seu Plano de Investimentos.
  3. Autorização para aumentar o quanto antes a mistura de etanol anidro à gasolina para 27,5%, reduzindo a importação de gasolina em mais de 1,2 bilhão de litros por ano.
  4. No programa Inovar-Auto, a priorização de melhoras na eficiência do uso de etanol em veículos flex e híbridos e o desenvolvimento de veículos movidos a células a combustível com reforma catalítica, aproveitando o elevado conteúdo de hidrogênio do etanol.
  5. A criação de um amplo programa de expansão da geração térmica a partir de bagaço e palha de cana, reconhecendo no valor da tarifa paga as suas vantagens pelo menor investimento e perdas em transmissão, e sua sazonalidade complementar à geração hídrica.
  6. A criação de condições que viabilizem o alongamento das dívidas acumuladas pelo setor nos últimos cinco anos.
  7. A promoção de acordos bilaterais para expandir os mercados para o etanol combustível, aproveitando o fato de que a mistura de 10% de anidro na gasolina é tecnicamente possível em todas as frotas existentes no mundo. A titulo de exemplo, em países altamente dependentes de importação de energia e petróleo, como a China e a Índia, a mistura de 10% de anidro (E10) pode abrir mercados de 15 e 3 bilhões de litros de etanol por ano, respectivamente.
  8. A integração comercial do açúcar no Mercosul (único setor ainda não integrado), para que sejam viabilizados acordos comerciais com outros blocos econômicos neste setor.

 

Estas são medidas que estão ao alcance da sociedade e que respondem a anseios já identificados, como o grande interesse na ampliação de investimentos em transporte coletivo de qualidade. Atende também à agenda ambiental, contrapondo-se à tendência de sujar a matriz energética com geração térmica baseada em energia de origem fóssil. Uma vez adotadas, recolocarão o setor de energia numa agenda positiva, do ponto de vista energético e industrial, ao implementar uma estratégia alinhada com as preocupações globais de controle e mitigação dos efeitos do aquecimento global. São medidas que podem fazer uma grande diferença para o futuro deste setor e do papel que pode representar no desenvolvimento de uma economia mais livre, autóctone e sustentável.